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Web 3.0 e alguns dos seus desafios jurídicos

Pietra Quinelato*

Alguns dos leitores também são da época em que se “entrava” e “saia” da internet. Havia até mesmo um chiado específico no telefone (que era fixo, por sinal) representando que a linha estava ocupada e um toque de discagem para completar a conexão. 

Apesar de a internet ter surgido no final da década de 60, foi na década de 90 que a web 1.0 teve seu ápice, oferecendo aos usuários um conteúdo linear, estático e sem interação. Nos anos 2000, com o surgimento das redes sociais, a web 2.0 nasceu, permitindo ao usuário uma maior interação, por meio de comentários e construção de um conteúdo em blogs e páginas pessoais. Surgiram os influenciadores digitais, as comunidades e a publicidade comportamental. No momento, estamos migrando para a web 3.0, que tem sido alvo de preconceito e de discussões apocalípticas, mas que representa a evolução seguindo seu curso.

Web 3.0 e suas características

A principal diferença da web de antes para a atual é a forma de interação dos usuários e a dinâmica que elas proporcionam. A web 3.0 tem como uma das suas características a descentralização, por meio de redes blockchain, trazendo, portanto, mais segurança às transações. Essa web está cercada por criptomoedas e finanças descentralizadas (DeFi), smart contracts, inteligência artificial, tokens não fungíveis e mundos de metaverso. Pretende-se criar um mundo “physical”, em que há a mistura do virtual com a realidade, uma imersão por meio de avatares e um usuário ainda mais criador.

Novos desafios

E como qualquer nova tecnologia, a web 3.0 vem com novos desafios. Por exemplo, como será a tributação de criptoativos que não são rastreáveis? A Receita Federal já se manifestou sobre o tema, mas a fiscalização em uma web descentralizada em que as wallets não são ligadas diretamente com as pessoas traz questões de relevância econômica em âmbito governamental. 

Já no direito de família e sucessões, haverá constituição de família ou, até mesmo, adoção afetiva de pessoas que passam a conviver no metaverso, dada a imersão que esse ambiente proporciona com acessórios de realidade aumentada? Como se dá a herança digital, principalmente em ativos não rastreáveis como NFTs? 

Em propriedade intelectual, como controlar o uso correto de direitos autorais na criação de obras e como garantir o direito de sequência? Devo proteger a marca em classes específicas para utilizá-la em mundos de metaverso? Smart contracts são válidos em casos de onerosidade excessiva? Os atos criminosos serão punidos, como estupro no metaverso, homicídio de um avatar e roubo de patrimônio alheio? 

Se um NFT não corresponde ao produto ou serviço oferecido, qual o foro aplicável para o comprador requerer seus direitos? Ele deve ser equiparado a um consumidor? Alguns indivíduos já trabalham também no metaverso, por exemplo, como entregadores. Haverá algum direito a ser resguardado também nessa esfera? 

Web 3.0 e dados pessoais

E não menos importante, estão os dados pessoais. Ainda que as wallets e os usuários não sejam identificados na utilização da web 3.0, é possível coletar informações pessoais sobre os indivíduos. Esses dados podem ser coletados de forma voluntária, como no preenchimento de um cadastro, ou indireta, como por meio da análise do comportamento do usuário na utilização da plataforma. Ou seja, ao caminhar em um metaverso com um acessório de realidade aumentada, por exemplo, o usuário irá reagir a pessoas, situações e produtos lá expostos, como pela simples dilatação da pupila do indivíduo ou pela sudorese das mãos. Seus dados podem ser tratados e retornarem por meio de conteúdo direcionado, aperfeiçoando a publicidade comportamental tão latente na web 2.0. Mas como assegurar a autodeterminação informativa do usuário e a sua privacidade?

Essas são apenas algumas das questões que têm surgido nas discussões sobre web 3.0, muitas ainda sem respostas. Mas há uma certeza: o operador de direito que deseja se manter na vanguarda deve acompanhar de perto o tema, auxiliando na busca pelas respostas.

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Pietra Quinelato: Doutoranda em Direito Civil, Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. LLM em Direito e Prática Empresarial pelo CEU Law School. Pós-graduada em Direito Digital pela ESA-SP e EBRADI. Coordenadora da área de direito digital do Mansur Murad Advogados. Professora do curso de Direito das Faculdades Integradas Campos Salles. Pesquisadora em grupos de estudo da Universidade de São Paulo e comissões da OAB-SP. 

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