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Metaverso: Da ficção à realidade 

Fábio Valentini de Carvalho*

Introdução 

Com a velocidade da evolução da tecnologia, o metaverso, que já foi considerado ficção  científica, vem se tornando cada vez mais realidade. Desde a sua origem, tem sido objeto de  estudos e discussões em diversas áreas, como a tecnologia, a economia, a sociologia, inclusive  em aspectos culturais. 

O enfoque do artigo será uma abordagem de estudo literário, passando pelas realidades  existentes, a proteção e privacidade de dados e as provas para crimes cometidos nesse  ambiente. 

Realidades no Metaverso 

Segundo Mahajan e Gupta (2021), o metaverso é uma evolução da internet, uma nova forma de comunicação, que permite maior interação entre as pessoas através de maior nível de imersão, transformando a forma de relacionamento e comunicação. 

Atualmente, existem diversas realidades no metaverso. Algumas das mais conhecidas são: Second Life, Minecraft, Fortnite, Decentraland, VRChat, Roblox, Entropia Universe. 

Plataforma Discord 

Essa plataforma de comunicação popular é frequentemente usada por jogadores e permitem aos usuários criarem servidores semelhantes a salas de bate-papo online, em que é possível conversar em tempo real.  

O Discord também possui alguns recursos que o tornam adequado para uso no Metaverso, como: 

• Bate-papo por voz: permite que os usuários tenham conversas de voz entre si, o que é útil para coordenar atividades no Metaverso. 

• Bate-papo de texto: também permite que os usuários conversem entre si em forma de  texto, o que é útil para troca de informações ou discussão de ideias. 

• Compartilhamento de arquivos: permite aos usuários compartilharem arquivos entre si, o que é ótimo para colaborar em projetos. 

No entanto, é de se registrar que um dos escândalos mais notáveis do Discord ocorreu em 2017, quando foi revelado que a plataforma havia sido hackeada. Os hackers conseguiram acessar as informações pessoais de milhões de usuários, incluindo seus nomes, endereços de e-mail e senhas. Essas informações foram usadas para enviar e-mails de spam e phishing aos usuários da plataforma. 

Em 2018, o Discord recebeu críticas por lidar com um escândalo de conteúdo de abuso sexual infantil (CSAM), sendo revelado que a plataforma estava hospedando vários servidores usados para compartilhar CSAM. Não obstante tenha tomado medidas para remover esses servidores, permaneceu criticada por não fazer o suficiente e/ou fazer aquém do necessário para impedir a  propagação do CSAM em sua plataforma.

Em 2020, novas críticas foram direcionadas ao Discord por lidar com um escândalo de discurso de ódio. Foi revelado que a plataforma estava hospedando vários servidores usados para essa  propagação. O Discord tomou medidas para remover esses servidores e as críticas persistiram por não adotarem medidas totalmente eficazes.  

Em matéria veiculada por uma emissora de televisão, no último dia primeiro de maio do corrente ano, foi enfatizada a falta de monitoramento e atrocidades que vem ocorrendo nessa plataforma

Esses escândalos levantaram preocupações acerca da segurança dos usuários do Discord. 

Sabe-se que medidas vêm sendo empreendidas para lidar com essas situações, mas resta saber se serão suficientes para evitar futuros escândalos. 

Afora os episódios relatados, o Discord também foi criticado por sua falta de transparência. A empresa foi acusada de não ser transparente sobre suas práticas na coleta de dados e suas políticas de moderação, o que vem dificultando aos usuários entender como seus dados estão sendo tratados e como sua segurança está sendo protegida. 

Apesar das vulnerabilidades apresentadas, o Discord continua sendo uma plataforma popular de comunicação pelos seus recursos, como bate-papo por voz e bate-papo por texto – maneira conveniente de as pessoas se conectarem. No entanto, os usuários devem estar cientes dos riscos associados e eventuais medidas de proteção. 

Proteção e Privacidade de Dados 

Questão tormentosa relacionada ao metaverso é a sua conciliação com a privacidade e a proteção de dados, eis que é preciso garantir que as informações pessoais e atividades dos usuários sejam protegidas e não utilizadas de forma indiscriminada e/ou ilimitada. 

A proteção de dados no metaverso deve ser abordada de forma distinta da proteção de dados na internet. Como o metaverso é um ambiente mais imersivo e interativo, é preciso garantir que os usuários tenham controle sobre suas informações e que elas não sejam utilizadas sem seu consentimento, até porque a questão ainda ganha mais relevância pelo fato de que muitas das  transações realizadas nesse ambiente são financeiras.  

Para que essa garantia seja realmente efetiva, é importante que as empresas criadoras de  ambientes no metaverso adotem políticas claras e transparentes de privacidade e segurança.  

A par disso, é preciso que os usuários estejam cientes que, não obstante o universo de possibilidades do ambiente virtual, existem riscos e vulnerabilidades e que, em caso de possíveis  violações, devem ser informados dos mecanismos de proteção e dos canais de denúncia.  

No metaverso centralizado, a proteção de dados é responsabilidade da empresa que controla a plataforma, o que significa que deve empreender medidas de segurança adequadas para  proteger os dados dos usuários contra hackers e outras ameaças. 

Já, no metaverso descentralizado, a proteção de dados é responsabilidade de todos os nós da rede e, sendo a rede distribuída e os dados criptografados, são protegidos por um alto nível de segurança pela tecnologia blockchain. 

Coleta de provas de crimes no metaverso 

Questão merecedora de discussões, por sua complexidade, é a obtenção de provas em casos de crimes cometidos nesses ambientes. 

A dificuldade para as autoridades identificarem os envolvidos em crime reside no fato de que muitas das transações realizadas são anônimas e criptografadas. 

De acordo com Alves e Oliveira (2021), a obtenção de provas no metaverso pode ser mais complexa do que em outros ambientes virtuais, justamente pelo fato de os dados poderem ser armazenados de forma descentralizada e criptografados.  

Ademais, por se tratar de ambiente virtual, pode envolver a coleta de dados em servidores localizados em diferentes partes do mundo, o que implica em dificuldades na identificação da jurisdição competente.  

Para enfrentar esses desafios, é necessário que os investigadores estejam bem preparados para atuar no Metaverso e que contem com tecnologias, metodologias específicas de análise forense digital e de engenharia reversa para a coleta e preservação de provas digitais.  

Algumas das técnicas utilizadas também incluem a recuperação de informações de dispositivos  de armazenamento, identificação de endereços de IP, quebra de criptografia, análise de redes sociais e utilização de programas de monitoramento de atividades online, sempre atentando-se ao respeito dos direitos fundamentais dos envolvidos e à coleta de informações de forma lícita. 

A questão da preservação das provas digitais também se afigura como desafio, uma vez que as informações podem ser facilmente sujeitas a alterações ou exclusões por parte dos próprios usuários ou até mesmo por falhas técnicas.  

É necessário, portanto, que sejam utilizadas tecnologias de autenticação e preservação, como  utilização de softwares específicos, realização de cópias de segurança, assinatura digital, o carimbo de tempo, a criptografia e que as autoridades responsáveis pela investigação garantam a segurança e a integridade das provas, mantendo-as em locais seguros e aplicando as medidas de proteção de dados pessoais previstas em lei. 

A temática é um tema ainda pouco explorado no âmbito jurídico dadas as particularidades que dificultam a coleta, citando-se, a título de exemplo, a necessidade de autorização judicial para a realização de diligências no ambiente virtual. Isso porque, muitas vezes, os provedores de  serviços digitais se recusam a colaborar com o assunto, alegando questões de privacidade ou  sigilo empresarial. 

Além disso, o próprio conceito de territorialidade torna-se mais complexo, uma vez que as informações podem estar armazenadas em servidores localizados em diferentes países, o que exigiria cooperação internacional. 

Em síntese, a obtenção de provas em casos de crimes no metaverso apresenta desafios, mas que podem e devem ser superados por meio da adoção de técnicas específicas e, sobretudo, da necessária cooperação entre as autoridades competentes. 

OSINT como ferramenta utilizada para combater crimes  

No Metaverso, no Discord, os criminosos podem usar uma variedade de mecanismos para cometer crimes, como: 

• Fraude: criando identidades e perfis falsos para ludibriar pessoas. 

• Assédio: intimidando as pessoas. 

• Abuso sexual infantil: compartilhando materiais desse conteúdo. 

• Discurso de ódio: disseminando ódio e incitando violência. 

O OSINT é uma ferramenta que pode auxiliar a combater crimes que ocorrem em metaversos. Significa Open-Source Intelligence e é o processo de coleta de informações de fontes publicamente disponíveis. A partir dessas informações, é possível: 

• Identificar criminosos rastreando seus endereços IP; 

• Rastrear atividades criminosas monitorando contas de mídia social e outras atividades online; 

• Interromper operações criminosas derrubando sites e outras plataformas online. 

Trata-se de uma ferramenta poderosa. No entanto, é importante que o OSINT seja utilizado em conjunto com outras técnicas investigativas, como os métodos tradicionais de aplicação da lei. 

A seguir, alguns exemplos de sua utilização no combate ao crime nesses ambientes. 

Em 2021, o FBI utilizou-se do OSINT para identificar e prender um homem que, no metaverso, solicitava sexo de menores. 

Em 2022, a Polícia Federal Australiana usou o OSINT para rastrear um grupo de criminosos que usavam o discord para vender drogas. 

Em 2023, a Agência Nacional do Crime do Reino Unido usou o OSINT para identificar e prender um homem que, no metaverso, propagava discurso de ódio. 

À medida que o metaverso e o discord continuam a crescer, é provável que o OSINT se torne uma ferramenta cada vez mais importante e necessária para a aplicação da lei. 

Conclusão 

O metaverso é um conceito em evolução, que tem se tornado cada vez mais realidade com a evolução da tecnologia. Ele permite que as pessoas interajam em um ambiente virtual tridimensional e imersivo, transformando a maneira como nos comunicamos, nos relacionamos e até mesmo como vivemos. 

Porém, como em qualquer ambiente virtual, é preciso estar atento aos riscos e aos desafios relacionados à privacidade, à segurança e à obtenção de provas em casos de crimes e dispor de soluções eficazes que garantam proteção sem prejuízo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico.

Referências Bibliográficas: 

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TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional à Prova no Processo Penal. 6ª ed. São Paulo:  Editora Saraiva, 2017. 

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Fábio Valentini de Carvalho: Advogado especializado em Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados, Cyber Security, Governança Corporativa, ESG e Compliance – Fundador da Valentini Advocacia.

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