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Publicidade comportamental e a LGPD: qual o limite do tratamento de dados pessoais?

publicidade comportamental

Pietra Quinelato

Apesar de dados pessoais terem sempre feito parte da sociedade, nos últimos anos uma maior preocupação contornou o assunto. Um dos motivos foi o advento da internet no final da década de 60, possibilitando que informações (incluindo dados pessoais) fossem transmitidas sem barreiras geográficas, instantaneamente e em larga escala. Nesse contexto de Sociedade da Informação, como elucida o sociólogo Castells, surgiram novos riscos e desafios, principalmente sob o aspecto jurídico. 

E as tecnologias não param de avançar. Desde que o antigo grupo Facebook mudou de nome para Meta, intensificou-se o debate sobre metaverso, que são espaços online que convergem mundos virtuais e reais, no qual usuários podem interagir dentro de um ambiente tridimensional. Em tal ambiente, com auxílio de acessórios inovadores que permitem que o usuário sinta – literalmente – o que supostamente seu avatar está sentindo, mais dados pessoais passam a ser coletados. 

Voltando poucas décadas no tempo, as redes sociais e os sites de comércio eletrônico, por exemplo, também passaram a permitir que usuários disponibilizassem suas informações pessoais para terceiros, além do rastreamento do seu comportamento e interesses por meio da sua navegação em tais plataformas. 

Estas são apenas algumas situações em que indivíduos compartilham seus dados pessoais com terceiros e, muitas vezes, sequer imaginam a finalidade para a qual tais informações serão utilizadas. 

Escolhemos uma das finalidades para tratar neste artigo: a publicidade comportamental. 

O que é publicidade comportamental?

Como espécie de publicidade direcionada, a publicidade comportamental ocorre a partir do tratamento dos dados pessoais coletados, que permitem que terceiros analisem os interesses, preferências e até mesmo o preço* que o indivíduo quer pagar por determinado produto ou serviço. É neste contexto que somos bombardeados todos os dias no Instagram, por exemplo, por anúncios oferecendo aquilo que em alguma oportunidade demonstramos interesse.

O tratamento de dados pessoais para publicidade comportamental envolve a criação de estereótipos por meio da análise de preferências do consumidor, o que chamamos de profiling***. Ou seja, estas preferências são inferidas a partir do comportamento do indivíduo compondo seus dados pessoais. 

Na década de 1970, Simon**** já afirmava que “o que a informação consome é a atenção daqueles que a recebem”, motivo pelo qual lhe foi atribuída a paternidade da economia (ou ecologia – para não se restringir ao aspecto econômico) da atenção. 

De acordo com Lace*****, indivíduos se tornaram “consumidores de vidro”, pois suas informações estão expostas de tal forma que terceiros podem ver através deles, direcionando os produtos e serviços por meio da publicidade comportamental.

Impactos da publicidade comportamental

Vale mencionar que esta forma de publicidade tem aspectos tanto positivos como negativos. Por um lado, permite que economizemos tempo ao direcionar anúncios de acordo com as nossas expectativas e desejos. Por outro, pode minorar nossa liberdade de escolha e autonomia na tomada de decisões, aumentando o consumo de forma não racional por meio da exploração de nossas vulnerabilidades******. 

É nesse contexto que se destaca o fenômeno conhecido como “bolha da informação”*******, em que o indivíduo passa a ter contato com apenas um rol de opções que, teoricamente, seriam mais aptas às suas preferências.

Conformidade com a LGPD

Assim, um dos desafios jurídicos mais relevantes em relação ao tema é a conformidade da prática com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD. As organizações que pretenderem utilizar a dinâmica deverão fundamentá-la em uma hipótese legal (conforme previsões do art. 7º e 11º da LGPD), destacando-se principalmente o consentimento e o legítimo interesse dos indivíduos – nesse caso, não serão tratados dados pessoais sensíveis). 

Ainda, será fundamental que a organização pratique a publicidade comportamental, obedecendo aos princípios legais (art. 6º, LGPD), como transparência, finalidade e necessidade, além de garantir direitos aos titulares, como ao acesso aos seus dados, a revogação do consentimento e a eliminação de dados pessoais desnecessários ou tratados em desconformidade com a LGPD (art. 18, LGPD).

Referências:

*Para mais informações sobre preços personalizados em plataformas digitais, recomendamos a leitura de QUINELATO, Pietra. Preços personalizados à luz da Lei Geral de Proteção de Dados. Indaiatuba: Ed. Foco, 2022. 

**BIONI, Bruno. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 89.

***Para mais informações sobre a prática, recomendamos a leitura de TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Em direção a um novo 1984? A tutela da vida privada entre a invasão de privacidade e a privacidade renunciada. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, dez. 2014, 109, 129-169. 

****SIMON, Herbert. Designing organizations for an information-rich world. In: GREENBERGER, Martin (Org.). Computers, Communication, and the Public Interest. Baltimore: Johns Hopkins Press, Baltimore, 1971.

*****LACE, Susanne (Ed.). The glass consumer: life in a surveillance society. Bristol: The Policy Press, 2005. p. 1.

******SUTHERLAND, Max. Advertising and the mind of the consumer: What works, what doesn’t, and why. 3a ed. Australia: Allen & Unwin, 2008. p. 145.

*******SUNSTEIN, Cass R. Infotopia: How many minds produce knowledge. Oxford: Oxford University Press, 2006. p. 9.


Pietra Quinelato: Doutoranda em Direito Civil, Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. LLM em Direito e Prática Empresarial pelo CEU Law School. Pós-graduada em Direito Digital pela ESA-SP e EBRADI. Coordenadora da área de direito digital do Mansur Murad Advogados. Professora do curso de Direito das Faculdades Integradas Campos Salles. Pesquisadora em grupos de estudo da Universidade de São Paulo e comissões da OAB-SP. 

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