Fernanda Galera Soler*
Todo o conceito de metaverso ainda está em desenvolvimento na atualidade. Conceitos e entendimentos acerca do que se trata essa realidade apesar de serem abordados por especialistas ainda soam etéreos para a maior parte da população, o que dificulta a atuação e o entendimento de quais serão os desafios jurídicos no metaverso.
Ainda que quando pensamos nos problemas jurídicos existentes é interessante notar que grande parte dos desafios já estão postos. Isso porque, em razão da internet, muitos debates já foram adiantados e apresentam possíveis soluções sobre como lidar com um novo ambiente. Contudo, quando realizamos a análise do metaverso, vemos que essa realidade será expandida para algo ainda maior e mais complexo, apresentando, por consequência, novos desafios.
Como existem muitas questões a serem analisadas, não se pretende esgotar o tema, mas apenas apresentar o que deverá ser enfrentado pelo jurista quando da análise de casos relacionados ao metaverso. Para tanto, não se propõe apresentar questões pontuais acerca de áreas específicas, mas tão somente elencar alguns desafios transversais que afetarão grande parte das áreas do direito.
Igualmente, para facilitar o entendimento de parte destes desafios jurídicos no metaverso e melhor exemplificar o quanto exposto, parte das pontuações será ilustrada com casos relativos aos direitos autorais, ainda que estes poderiam ser pensados à luz das normas de proteção de dados ou mesmo de outras áreas.
Principais desafios jurídicos no metaverso
Identificação e localização das partes
O primeiro grande desafio continua sendo a identificação e localização das partes. Se atualmente já existem problemas acerca da aplicação e execução dos direitos (enforcement), em razão da localização dos usuários infratores, com o metaverso tal dificuldade poderá ser ampliada de maneiras antes não imaginadas, considerando que a ideia deste ambiente é realmente ser algo universal.
Logo, como executar a legislação brasileira para uma infração que pode ser cometida por um usuário localizado em outro país, cabendo ainda a indagação sobre qual seria a legislação aplicável. A título de exemplo, poderíamos pensar em um artista brasileira que vê a sua obra sendo reproduzida por um usuário estrangeiro no metaverso.
As normas da LINDB (Lei de introdução às normas do direito brasileiro – Lei-Decreto nº 4657/1942) podem esclarecer algumas dúvidas pontuais, mas nem sempre conseguem definir ou mesmo indicar ao intérprete todas as soluções possíveis.
Tipo de proteção
Outro problema existente é o tipo de proteção concedido para certos institutos, ora, nem sempre um direito é tutelado no estrangeiro como no Brasil. Como na hipótese de pensarmos em direitos conexos ao de autor dos intérpretes, por exemplo, se lembrarmos que eles não são protegidos da mesma forma em todo o mundo com o metaverso, poderíamos estar diante de um lapso na forma de execução ou mesmo entendimento do que é uma infração para certos usuários.
Neste sentido, é interessante lembrarmos que podem existir normas de Direito Internacional que buscam equalizar algumas questões, mas nem sempre conseguirão prever ou guiar o jurista em todos os casos.
Desse modo, poderíamos pensar sobre a Convenção de Berna. A referida norma versa sobre os patamares mínimos de proteção que devem ser adotados por cada país, porém, caberá a legislação pátria definir o que será ou não entendido ou como o direito será aplicado. Neste sentido, se pensarmos na forma de aplicação das limitações (usos livres ou exceções) aos direitos autorais poderemos notar as inúmeras diferenças na nacionalização e do entendimento de como deve ser realizada a aplicação de tais previsões em cada país.
Interoperabilidade
Além de tais pontos, temos uma questão derivada de tais problemas e que entrou em voga em razão dos temas relacionados à proteção de dados, qual seja a interoperabilidade. Como transferir um direito sobre uma criação que esteja em uma realidade para outra?
Atualmente, não existe apenas um metaverso, mas sim diferentes ambientes desenvolvidos por instituições distintas com interesses díspares. Dessa forma, como ficará a questão dos direitos dos titulares de circularem entre os metaversos, seja na aquisição de direitos, seja na transferência ou mesmo na manutenção de seus direitos que já existem em outras plataformas.
Ainda que os problemas acima referidos sejam compartilhados com outras áreas do direito, com o desenvolvimento do metaverso novos desafios estão surgindo diariamente. Assim como a internet já apresentou possíveis formas de harmonização de tais direitos para novos ambientes, ainda existem algumas questões específicas relativas ao entendimento desta nova realidade a serem estudados.
Todavia, somente com uma análise mais profunda e específica de cada área será possível endereçar cada nova dúvida e possibilidade que irá advir do metaverso. Cabendo, assim, ao jurista não apenas clamar por uma renovação legislativa, mas entender como funciona esse novo ambiente, apurar como a sua área de atuação pode se moldar para essa realidade e, assim, propor cada vez mais soluções inovadoras para um mundo novo e mais tecnológico que surge.
Fernanda Galera Soler: Doutoranda e Mestre Direito Comercial, com foco em Propriedade Intelectual, pela Universidade São Paulo. Visitante acadêmica da Faculdade de Direito da Universidade de Oxford. Especialista em Propriedade Intelectual pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo. Cursando Master in Business Innovation (MBI) na Universidade Federal de São Carlos. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Advogada recomendada para o segmento de “Startups & Inovação – Escritórios de Advocacia”, Leaders League (2018). Advogada, professora, pesquisadora e autora, com foco nas áreas de Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia, Direito Digital, Proteção de Dados e Inovação.