in

Educação para o consumo como instrumento para a construção de uma sociedade mais consciente e sustentável

Ellen Gonçalves*

Como bem disse o educador Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Adepto ou não ao seu método pedagógico, gostando ou não da sua linha de raciocínio, é preciso reconhecer que ele foi muito feliz nesta frase. De acordo com a Lei de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no seu artigo 1º, a Educação é definida como “todos os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.

Posto isso, a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Em resumo, o Direito à Educação é parte de um conjunto de direitos fundamentais chamados Direitos Sociais, cuja inspiração é o valor da igualdade entre as pessoas (artigo 6º, CF/88). 

Educação para a Sociedade de Consumo 

É justamente por isso que a Educação para o Consumo é um dos princípios fundamentais do Código de Defesa do Consumidor (Art. 4º, IV, CDC).  Nessas mais de três décadas de legislação, fizemos bem o nosso papel para o cumprimento da lei. Em nosso escritório, sempre busquei que os clientes adotassem as melhores práticas para atender os consumidores, porque acreditamos profundamente no princípio da harmonização das relações de consumo. Um mercado que possibilita o acesso livre às informações e aos parâmetros que garantem, no mínimo, a autonomia em toda jornada de compra das pessoas. Contudo, isso parece não ser suficiente.  

Podemos dividir essa reflexão em três momentos: o primeiro deles versa sobre a discussão, a estruturação e a promulgação do CDC. O segundo, a divulgação massiva dos critérios da legislação e a atuação dos órgãos reguladores para que ela fosse cumprida. Caminhamos bem até aqui. O terceiro momento, agora, está relacionado com uma questão de responsabilidade social, que envolve as iniciativas público-privadas direcionadas para a educação para o consumo. Ainda temos muito a avançar neste caminho. 

Mas e o princípio da informação e da transparência? Não seria ele a bússola que garante essa educação consumerista? De fato, ele figura entre os direitos essenciais do consumidor, tendo posição de destaque no texto legal e aparecendo em vários momentos no CDC. Por exemplo, no artigo 6º, inciso III, é garantido o acesso à “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre o risco que apresentem”.  

Mas obter a informação não significa entendê-la e tomar consciência para ter autonomia na hora de consumir. Parece que o princípio da educação está encoberto pelo da informação, impossibilitando reflexões por parte dos agentes que constituem toda a cadeia de consumo. São dois fundamentos distintos que se complementam e necessariamente precisamos falar sobre isso. Defendo que os direitos à educação, à liberdade de escolha e à informação adequada, além de serem princípios básicos do CDC, são a garantia do equilíbrio das relações entre fornecedores de produtos e serviços e àqueles que os adquirem ou contratam. E isso tudo é importante, porque os impactos dessas relações nos aspectos econômicos, sociais e políticos do país são gigantescos. Mas agora precisamos falar sobre educação para o consumo.

Atualmente, merece especial atenção a educação e aculturamento dos consumidores enquanto titulares de dados. Com o aumento do e-commerce e das interações em ambiente virtual, devemos aumentar iniciativas que formem cidadãos preparados para estabelecer essas relações virtuais de maneira saudável e consciente.

O que é, de fato, Educação para o Consumo?  

Em linhas gerais, sua finalidade é informar e aconselhar o consumidor com relação ao uso adequado dos produtos e serviços solicitados. O capítulo II, art. 4º, do CDC, dentre outros incisos, reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e preconiza uma ação governamental de proteção efetiva, além da educação e da informação de consumidores e fornecedores em relação aos seus direitos e deveres. Nesse sentido, essa educação tem seus objetivos direcionados para o âmbito social e visa a reflexão e a mudança de atitude no comportamento do consumidor/cidadão.  

É um convite fundamentado para ressignificar as relações de consumo de forma a contribuir para que as pessoas assumam postura cidadã em relação às compras de bens e serviços, compreendam suas vulnerabilidades e, sobretudo, se conscientizem acerca de seus recursos financeiros. 

Um árduo caminho a percorrer 

Esse diálogo vai muito além da oferta de manual de utilização, que vem nos produtos que compramos, a fim de orientar sobre como utilizá-los. Essa discussão versa sobre orientar as pessoas a respeito de sua saúde financeira e compreender suas possibilidades diante dos recursos que o mercado oferece; é explicitar a diferença entre ser consumidor e consumista. Para além, é revelar o jogo do consumo, mostrar com transparência total a cadeia produtiva de tudo que compram – e aqui também me refiro à consciência de sustentabilidade e fundamentos ESG, urgentes globalmente.  

O CDC é principiológico, ou seja, estabelece fundamentos que garantem o equilíbrio entre consumidor e empresa. Para tanto, empresas e o setor público podem e devem assumir a responsabilidade de promover ações efetivas que aprimorem a via da educação. Educar é algo profundo, que se fomenta na base da formação do indivíduo, com valores morais e consciência sobre seu papel na sociedade em todos os aspectos. 

Diante deste cenário, o PG Advogados decidiu estruturar uma iniciativa inédita de educação para o consumo, cujo intuito é disseminar conteúdos acerca do tema, por meio de ações estratégicas que envolvem sócios e parceiros do escritório, além de escolas públicas e privadas, para ressignificar as relações de consumo e contribuir para que cada vez mais pessoas assumam postura cidadã e autônoma em sua jornada de compra. Nosso objetivo é levantar discussões sobre a diferença de consumo e consumismo, sustentabilidade,  autonomia e poder de compra, além de educação financeira e consciência sobre os direitos do consumidor.  

A informação deve existir sempre, de maneira adequada e clara. A liberdade de escolha deve ser garantida. Mas tudo isso só é possível quando o consumidor estiver educado sobre sua importância na jornada do cliente, seu papel e posicionamento social, seu raio-x financeiro e, por fim, tenha a consciência de consumo como valor moral, pessoal e intransferível. 

Leia outro artigo da autora:

O CDC e as novas normas que contribuíram – ou nem tanto – para a harmonização das relações de consumo e a dignidade humana


Ellen Gonçalves: é advogada, vice-presidente da Comissão Permanente de Defesa do Consumidor da OAB e sócia-fundadora do PG Advogados. É especialista em Direito do Consumidor e referência em Resolução de Conflitos e em Contencioso de Alta Complexidade. Mestre em Direito Político e Econômico, LLM em Direito Empresarial com ênfase em Direito do Consumidor. É autora de “O direito do consumidor e os juizados especiais cíveis (IOB Thomson, 2006)” e “Uma lei para todos – A história dos 30 anos do Código de Defesa do Consumidor (Atelier de Conteúdo, 2020)”.

cultura de proteção de dados

16 medidas essenciais, com baixo investimento, para implementar na adequação do seu negócio à LGPD

dados sintéticos

Dados sintéticos: uma alternativa para a inovação?