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A Lei Geral de Proteção de Dados não é desculpa para ausência de transparência democrática, por mais que digam o contrário

LGPD, Lei de Acesso à Informação e transparência

Rodrigo Gugliara*

A Lei Geral de Proteção de Dados não mitiga a democracia e a transparência!

Segundo nossa Constituição Federal, o regime de governo vigente no Brasil é a tão propagada democracia que, segundo Luís Roberto Barroso, “o poder é fundado na participação e no consentimento do povo (Estado democrático) e uma forma de organização social baseada na cooperação de pessoas livres e iguais (sociedade democrática)”.

O efetivo funcionamento da democracia representativa, tal como instaurada pela ordem constitucional vigente, pressupõe o acesso dos cidadãos à informação e traz como elemento essencial do Poder Público a transparência. 

A informação e a transparência, portanto, são conceitos indissociáveis da ordem constitucional. Nessa ordem de ideias, qualquer norma infraconstitucional que pretenda reduzir os controles sociais da administração pública tem grande tendência de ser considerada inconstitucional.

Lei Geral de Proteção de Dados, Lei de Acesso à Informação e a transparência

Ainda que a Lei Geral de Proteção de Dados também regulamente um direito fundamental, qual seja, a proteção de dados, um estudo que parta de uma visão mais sistêmica nos permitirá concluir pela inexistência de antinomia entre a LGPD e a Lei de Acesso à Informação.

O enunciado 04/2022 da Controladoria Geral da União contou com a seguinte redação:

Nos pedidos de acesso à informação e respectivos recursos, as decisões que tratam da publicidade de dados de pessoas naturais devem ser fundamentadas nos arts. 3º e 31 da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI), vez que:

A LAI, por ser mais específica, é a norma de regência processual e material a ser aplicada no processamento desta espécie de processo administrativo; e

A LAI, a Lei nº 14.129/2021 (Lei de Governo Digital) e a Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD) são sistematicamente compatíveis entre si e harmonizam os direitos fundamentais do acesso à informação, da intimidade e da proteção aos dados pessoais, não havendo antinomia entre seus dispositivos.

O artigo 3º da Lei de Acesso à informação, por sua vez, prevê que o acesso à informação deve ser garantido com base nos princípios da administração pública e nas diretrizes:

  • Da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; 
  • As informações de interesse público devem ser divulgadas, independentemente de solicitações; 
  • Da divulgação através do emprego de tecnologia da informação; 
  • Fomento à cultura de transparência na administração pública; 
  • Controle social da administração pública.

Acesso à Informação e percepção de corrupção

Mesmo com a existência da Lei de Acesso à Informação, o Brasil apareceu na 96ª posição do índice de percepção de corrupção de 2.021 da Transparência Internacional, com 38 pontos de 100.

Em um país em que a corrupção convive diariamente ao lado de diversos problemas sociais não resolvidos por falta de recursos e de administração pública, em todas as esferas, de qualidade questionável, a Lei de Acesso à Informação assegura aos interessados alguns mecanismos para que os atos administrativos sejam melhor fiscalizados.

Disponibilização de dados x exposição de dados

Importante ressaltar, ainda, que a Lei Geral de Proteção de Dados promove a tutela dos dados de pessoas naturais. Já a Lei de Acesso à Informação tem escopo muito maior e assegura a publicação e disponibilização de dados de interesse coletivo. 

Em um conflito semelhante, embora anterior à vigência da LGPD, o Supremo Tribunal Federal decidiu em votação unânime, em regime de Repercussão Geral, que “é legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes dos seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias” e que tal conduta está albergada no conceito subjetivo do interesse coletivo ou geral que a LAI dispõe.

Ademais, ainda que excepcionalmente exista algum interesse muito superior que justifique a não divulgação de dados pessoais, a própria Lei Geral de Proteção de Dados permite a adoção de procedimentos que reduzam a exposição de dados pessoais, tal como a pseunimização, e, ao mesmo tempo, não impeçam a divulgação de dados de interesse coletivo e geral.

LGPD como escudo?

A Controladoria Geral da União e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, inclusive, já atuam conjuntamente para atuação articulada e através de cooperação técnica para mitigar condutas potencialmente abusivas por parte de administradores e agentes públicos que tentem utilizar da LGPD como escudo para condutas abusivas.

Ausência de transparência

É possível concluir, portanto, que a ausência de transparência sob fundamento de que a Lei Geral de Proteção de Dados impede a divulgação de dados de interesse coletivo ou geral é conduta ilegítima que deve ser combatida pelos órgãos de controle administrativos, políticos e judiciais.

Devemos sempre ter em mente que a Lei Geral de Proteção de Dados não mitiga a democracia!

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Rodrigo Gugliara: Especialista em Direito Digital e Compliance pela Faculdade Damásio de Jesus (2017), graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2013) e Técnico em Informática pelo Colégio Singular (2008). Atuo como Assistente Judiciário no Tribunal de Justiça de São Paulo e sou Professor no Lab de Inovação da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Coordenei uma obra coletiva sobre Proteção de Dados e Responsabilidade Civil e sou autor de artigos jurídicos em assuntos correlatos ao direito digital.

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