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Como o sharenting afeta a privacidade dos pré-borns, das crianças e dos menores?

Luiza Etzberger Tubino*

Você certamente já ouviu falar sobre o sharenting, mas talvez apenas não conheça o termo. O sharenting é uma expressão que foi usada pela primeira vez em 2012, no The Wall Street Journal, para rotular a conduta de pais que publicam de maneira excessiva nas redes sociais fotos, vídeos ou qualquer outra informação sobre os seus filhos. Desde o surgimento desse conceito, os casos de sharenting se tornam cada vez mais comuns na internet, principalmente entre os influenciadores. 

A escola, os lugares frequentados, a localização, as marcas que a criança usa, entre outros aspectos, são informações compartilhadas sobre os filhos embasadas no legítimo interesse dos pais. O que muitos desses pais não se dão conta é o rastro que estão deixando na vida dos seus filhos e as implicações do compartilhamento excessivo dessas informações na privacidades deles como indivíduos. 

Em 2014, a atriz Gwyneth Paltrow publicou na sua rede social uma foto da sua filha, que, na época, tinha 14 anos. A filha comentou na publicação da mãe dizendo que já tinham conversado sobre o assunto e que não queria que a mãe postasse nada sem o consentimento dela. A atriz respondeu ao comentário da filha dizendo que não daria nem para ver o rosto dela no post. A discussão entre mãe na rede social é um de muitos exemplos de sharenting e acabou dividindo os seguidores da atriz, na medida em que muitos estavam defendendo o direito da filha de não ter sua imagem exposta sem consentimento, o que viola a sua privacidade. 

Sharenting e privacidade do menor

Assim como no caso envolvendo a atriz acima exposto, bem como nas exposições corriqueiras nas redes sociais, tem-se uma eminente preocupação, que recai sobre a privacidade do menor, uma vez que as informações pessoais compartilhadas ficarão disponíveis ao titular delas (nesse caso o menor) e a terceiros por tempo indeterminado. Esse compartilhamento excessivo de dados, além de afetar a privacidade, é capaz de colocar a criança em situações embaraçosas na sua vida, que podem atingir não só sua infância, como podem acarretar impactos na vida adulta. 

Atualmente, percebe-se uma crescente de sharenting no que tange os casos de maternidade e paternidade, uma vez que está cada vez mais frequente a criação de usuários em redes sociais para o filho que ainda não nasceu. Por mais que se trate de uma conduta inofensiva por parte dos genitores, e que as curtidas e o carinho recebido online sejam capazes de gerar uma sensação de acolhimento para os pais, essa interação na rede social faz com que o compartilhamento e exposição de informações vá aumentando. 

Pré-borns e recém-nascidos nas redes sociais

Alguns pais criam esses perfis de pré-borns (na tradução do inglês “pré natais”) apenas para um público seleto, se valendo de uma falsa sensação de segurança ao achar que apenas aquelas pessoas selecionadas terão acesso às fotos e outras informações compartilhadas. Essa falsa sensação de segurança se dá ante à possibilidade de repasse e armazenamento de informações pelos usuários. Ou seja, nada impede que um seguidor dessa conta “privada” de um pré-born tire um print e compartilhe com alguém ou até mesmo disponibilize a mídia na internet. Caso os pais criem um perfil público, será ainda mais difícil de rastrear o alcance do conteúdo compartilhado. 

Recentemente, a influencer Viih Tube compartilhou que estava grávida. Dias após o anúncio, o perfil do futuro filho dela foi criado no Instagram. A conta alcançou rapidamente milhares de seguidores. Outro episódio recente envolve a influencer Virginia que, além de ser administradora do perfil das filhas no Instagram, esperou um dia após o nascimento da sua segunda filha Maria para lançar uma marca chamada “Maria Baby Store”, designada à venda de cosméticos infantis e baseada nas duas filhas da Virginia. 

Tanto a futura filha da Viih Tube, quanto as filhas da Virginia já são personalidades influentes nas redes sociais. Antes mesmo de nascerem ou até com pouca idade as crianças e os pré-borns já estão entrando nas redes sociais e sendo elementos poderosos em relação aos algoritmos, capazes de influenciar pessoas e vender produtos. 

Um estudo realizado na Europa constatou que aproximadamente 25% das crianças já estão online, criando sua pegada tecnológica, até mesmo antes de nascerem. E esse número só vem aumentando no velho continente e no mundo. 

Sharenting, Estatuto da Criança e do Adolescente e LGPD

Cabe ressaltar que o  Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a proteção da vida privada e do direito de imagem das crianças no seu artigo 100, V, bem como a Lei Geral de Proteção de Dados prevê o tratamento especial de dados de crianças e adolescentes. Mas ainda que exista a previsão legal, a mesma vem sendo violada pelos próprios pais, uma vez que, com o avanço da tecnologia e com a facilidade de acesso à internet, é preciso pensar em um mecanismo mais eficiente para conter essa exposição de crianças que ainda nem nasceram, sem, também, violar a liberdade de expressão dos pais. 

Ainda não foi possível identificar as marcas que essa exposição pode gerar para as crianças na sua infância e vida adulta, isso porque as consequências existentes na sociedade da informação* ainda não são palpáveis, uma vez que o conteúdo compartilhado nas redes sociais não irá cair tão facilmente no esquecimento como a sociedade está acostumada. 

Direito dos pais

Então, tendo em vista a impossibilidade de vetar o uso das redes sociais para compartilhamento de informações e fotos sobre os filhos ou ainda durante a gestação da criança sob pena de violar o direito de liberdade de expressão dos pais, bem como da sua privacidade e imagem, tem que se chegar em uma solução que pondere os interesses dos pais e das crianças. 

As redes sociais deveriam aumentar os mecanismos de segurança quando detectarem contas e perfis onlines de crianças ou daqueles bebês que ainda nem estão presentes offline. Assim, a sensação de segurança no compartilhamento das informações estaria assegurada por ferramentas tecnológicas. A segurança tem que se dar tanto na prevenção, evitando vazamentos e exposições maiores do que as que são rastreadas, como na correção, considerando que deverão ser adotadas medidas mais eficientes para corrigir alguma exposição ou vazamento ocorrido por meio de um incidente. 

*A sociedade da informação é uma nova formação política, social e econômica firmada por relações em rede, centrada na coleta, seleção, triagem e distribuição de dados por meio das tecnologias da informação. Os processos e funções essenciais em sociedade permanecem em constante e rápida transformação. E, com o advento da internet e o seu crescente uso, tornou-se ainda mais viável o exercício das liberdades atinentes ao tratamento da informação e aos modos de expressão, possibilitando ainda a imortalização e o compartilhamento de notícias e dados diversos sem limites de tempo e espaço.” MOREIRA, Rodrigo Pereira; MEDEIROS, Jaquelaine Souza. Direito ao Esquecimento: Entre a Sociedade da Informação e a Civilização do Espetáculo. Revista de Direito Privado, v. 70, p. 71-98, 2016.

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Luiza Etzberger: graduada em Direito pela PUC-RS, especializada em Masters of Laws – LLMS e Direito Empresarial pela Fundação Escola Superior do Ministério Público e certificada como Data Protection Officer, atua como advogada na Ad2l Consultoria com foco em proteção de dados.

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