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Regulação das plataformas digitais: com inspiração nos regulamentos europeus, o que se pode esperar das versões tupiniquins?

Patrícia Peck Pinheiro*

Ana Silvia de Moura Leite Piergallini**

O ano de 2022 definitivamente foi um período movimentado. Entre eleições presidenciais e Copa do Mundo, destacaram-se certas temáticas no cenário político, dentre as quais a da regulação das plataformas digitais. E, conforme promessa do governo eleito, o tema deve ser prioridade na próxima gestão.

O governo de transição, inclusive, já anunciou que a regulação estará na programação do plano dos 100 primeiros dias do governo e deve ser objeto de um grupo de trabalho, envolvendo os Ministérios das Comunicações, da Justiça e da Ciência e Tecnologia, com ampla discussão pública, e que deve anteceder a submissão de um projeto de lei ao Congresso Nacional.

Para comprovar que o plano vem sendo seguido, já foi anunciada a criação da assessoria especial dedicada a assuntos digitais, que estará diretamente vinculada ao gabinete do Ministério da Justiça.

Conforme abertamente declarado pelo governo de transição, a regulação nacional se baseará no regulamento europeu, o Digital Services Act (“DSA”), ou Lei dos Serviços Digitais, que entrou recentemente em vigor no território europeu. A tendência de que os regulamentos europeus sirvam como parâmetro regulatório mundial, tal como ocorreu com o General Data Protection Regulation (GDPR), já era esperada desde a sua aprovação pelo Parlamento Europeu.

Agenda Digital da Europa

O DSA integra a Agenda Digital da Europa, que inclui também a Lei dos Mercados Digitais (Digital Markets Act – “DMA”). Ambos tiveram a propositura legislativa em dezembro de 2020 e foram objeto de intensos debates, até a sua aprovação pelo Parlamento Europeu, com a entrada em vigor, respectivamente, em 1º de novembro de 2022 (DMA) e 16 de novembro de 2022 (DSA). As suas regras e obrigações serão aplicáveis entre fevereiro e março de 2024.

Apesar de ambas as regulações estarem voltadas à atuação das grandes empresas de tecnologia, com objetivos de promover um espaço digital mais seguro e saudável, o DSA e o DMA têm vieses regulatórios distintos: enquanto o DSA busca combater, via responsabilização, conteúdos ilegais ou danosos veiculados pelas grandes empresas de tecnologia, o DMA tenta combater práticas anticompetitivas das big techs.

De maneira geral, a regulação europeia traz diversas ferramentas que devem ser eficazes para o controle pelas plataformas online sobre conteúdo ilegal na internet. A título exemplificativo, é imposta uma obrigação de due dilligence (para um ambiente transparente e seguro) aos prestadores de serviços intermediários, com a necessidade de indicação de um representante com o qual as autoridades dos Estados Membros, a Comissão e o Comitê possam manter comunicação direta; com o fornecimento de relatórios de transparência, que deve ser disponibilizados ao público, de forma facilmente acessível; e com a disponibilização de mecanismos de notificação e ação pelos prestadores de serviços de armazenagem em servidor, que permitam a qualquer cidadão ou entidade notificá-los a respeito de ilegalidades nos conteúdos da plataforma.

Qual o resultado da regulação das plataformas digitais?

Com uma boa atuação do regulador, a nova regulação tem a proposta de ser capaz de manter os mercados abertos, assegurando a livre concorrência e, pelo lado do usuário, garantindo o respeito às liberdades individuais e aos direitos fundamentais. Mas a pergunta que fica é: que internet resultará disso? Há sempre efeitos colaterais.

As medidas impactarão as bigtechs, a quem será imposto o respeito à livre concorrência, visando mitigar o desequilíbrio de poder existente nesse mercado, mediante o estabelecimento de condições equitativas entre os mais variados players.

Algumas iniciativas de regulação em âmbito nacional já despontam, pelo menos sob o aspecto concorrencial, como é o caso do Projeto de Lei (PL) 2.768/2022, apresentado ao Congresso Nacional em 10/11/2022. 

Ainda há um longo caminho a ser percorrido para alcançar os objetivos comuns inspirados na regulação europeia. Lembrando que devemos ter alguns cuidados: evitar excessos, para que ao invés de proteção venhamos a eliminar a inovação; criar mecanismos para manutenção de uma legislação condizente com os contínuos avanços tecnológicos e sociais devido ao risco da sua obsolescência rápida.

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Patrícia Peck Pinheiro: PhD. CEO e Sócia Fundadora do Peck Advogados. Advogada especialista em Direito Digital, Propriedade Intelectual, Proteção de Dados e Cibersegurança. Graduada e Doutorada pela Universidade de São Paulo, PhD em Direito Internacional. Conselheira titular nomeada para o Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD) da Autoridade de Proteção de Dados Pessoais Brasileira (ANPD). Professora convidada da Universidade de Coimbra em Portugal e da Universidade Central do Chile. Professora convidada de Cibersegurança da Escola de Inteligência do Exército Brasileiro. Professora de Direito Digital da ESPM. Foi Presidente da Comissão Especial de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-SP. Membro do conselho consultivo da iniciativa Smart IP Latin America do Max Planck Munique para o Brasil. Advogada Mais Admirada em Propriedade Intelectual de 2007 a 2022. Recebeu o prêmio Best Lawyers 2020/2021, Leaders League 2021/2020/2019, Compliance Digital pelo LEC em 2018, Security Leaders em 2012 e 2015, a Nata dos Profissionais de Segurança da Informação em 2006 e 2008, o prêmio Excelência Acadêmica – Melhor Docente da Faculdade FIT Impacta em 2009 e 2010. Condecorada com 5 medalhas militares, sendo a Medalha da Ordem do Mérito Ministério Público Militar em 2019, Ordem do Mérito da Justiça Militar em 2017, Medalha Ordem do Mérito Militar pelo Exército em 2012, a Medalha Tamandaré pela Marinha em 2011, a Medalha do Pacificador pelo Exército em 2009. Árbitra do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo – CAESP. Autora/coautora de 35 livros de Direito Digital. Presidente do Instituto iStart de Ética Digital. Programadora desde os 13 anos. Certificada em Privacy e Data Protection EXIN.

Ana Silvia de Moura Leite Piergallini: Advogada Líder da área de Marketing Legal e Propriedade Intelectual do Peck Advogados. Graduada em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e pós-graduada em Propriedade Intelectual e Novos Negócios pela GV Law. Possui extensão em Marcas pela WIPO/INPI, em Direitos Autorais pelo ITS-Rio e Aspectos Jurídicos Pertinentes à Atividade Publicitária no Brasil pela ESA/SP. Certificada pela EXIN em Privacy and Data Protection Foundation. Coautora da obra coletiva Direito Digital Aplicado 4.0.

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