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Sorria, o seu Dado Está Sendo Utilizado!

Helena Vasconcellos*

Victória Hellen Oliveira**

As redes sociais, embora funcionem para conectar amigos distantes, e tenham sim muitos benefícios, da mesma forma, têm malefícios: viciam muitas pessoas, permitem o cometimento de uma infinidade de crimes e por aí vai. 

Sobre o vício, o algoritmo das redes sociais é programado para de fato instigar os seus usuários a irracionalmente fornecer informações e a consumirem o que melhor funciona para cada indivíduo com base no seu perfil de consumo. O que ZUBOFF, Shoshana conceitua como “capitalismo de vigilância” faz com que redes sociais falhem em proteger o usuário.

Contribuem para o vício os nudges, que segundo a economia comportamental são verdadeiros incentivos, “empurrõezinhos” a um maior uso da rede social ou de uma determinada feature. Por exemplo: cada notificação nova nos impulsiona ou nos tenta a mexer no celular, e prêmios como ser Prefeito no Foursquare nos instigam a fazer mais check-ins na rede – que francamente desconhecemos se ainda existe, mas foi febre quando foi criada nos anos 2010. 

Outro conceito de economia comportamental impera quando o tema são redes sociais: o famoso FOMO, o fear of missing out, que é o “medo de ficar de fora”, de perder alguma coisa. O conceito, aplicado às redes, faz com que as pessoas passem cada vez mais tempo em vídeos, reels, e linhas do tempo para não perder o último meme, novidade, notícia, fofoca, gíria…

Esse sentimento associa-se à ansiedade de não fazer o mesmo que todos estão fazendo, como publicar e fazer parte de uma rede, e pode impactar de forma significativa a rotina das pessoas. 

Dados e sua Importância 

A famosa frase do matemático britânico Clive Humby: “Dados são o novo petróleo” (Data is the new oil), bem como a publicação da The Economist: “O recurso mais valioso do mundo não é mais o petróleo, mas dados” (The world’s most valuable resource is no longer oil, but data) são frases citadas excessivamente no mercado executivo mundo afora, apontando os dados como um recurso valioso nas mãos de quem os possuir. 

Mas Humbly vai além quando diz: “Os dados são o novo petróleo. É valioso, mas, se não for refinado, não pode ser usado (…), portanto, os dados devem ser divididos, analisados para que tenham valor”. Logo, os dados necessitam de tratamento para que sejam utilizados em potencial, assim como o petróleo deve passar pelo refino.

O conceito de dados pessoais encontra-se no art. 5o, inciso I, da Lei Geral de Proteção aos Dados Pessoais (LGPD) e traz a seguinte definição: “I – dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”. 

Dado sensível

O inciso II vai além, e traz o conceito de dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural. 

Além do dispositivo legal explícito na LGPD, a Constituição Federal, em seu artigo 5o, também garante a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Portanto, os dados pessoais são preciosos para seu titular, que tem o direito de não consentir que suas informações sejam utilizadas de maneira a causar algum tipo de prejuízo ou danos, com base em regulamentações específicas que limitam a atuação de controladores e operadores. 

Economia digital

Dessa maneira, dados são dinheiro e a economia digital se nutre deles ao processar, refinar e servir de bandeja para que anunciantes possam personalizar a publicidade de suas empresas. Segundo palavras de VÉLIZ, Carissa em Privacidade é o Poder, “o negócio dos dados está corroendo a democracia.“ 

O advento da tecnologia e os avanços da internet permitiram trocas intensas de informações e as redes sociais se tornaram grandes ferramentas importantes. Dessa maneira, os usuários estão cada vez mais presentes nas redes sociais, fator que influencia diretamente uma diversa circulação de dados pessoais em ambientes virtuais. 

O “Dilema da Redes”, documentário que faz parte do streaming Netflix, provoca os indivíduos a pensar sobre como a utilização de redes sociais impactam os seus dados pessoais. O filme mostra a análise de altos funcionários das maiores redes sociais do mundo, e traz consigo uma frase marcante que ficou bem famosa, reproduzida por Tristan Harris: “Se você não paga pelo produto, você é o produto”.

Cada vez mais munida de avanços tecnológicos, as redes sociais ganham espaço no dia a dia da sociedade. Entretanto, cabe ao próprio titular de dados usufruir da autonomia de optar por se expor ou se resguardar nas redes. 

A dependência na era digital e o tratamento de dados: A invasão dos aplicativos a sua privacidade

Nos dias atuais, desde comprar comida a remédios, o uso generalizado da tecnologia tornou realidade mudanças significativas no modo como vivemos e buscamos informações, na medida em que surgiram características novas de comunicação que dependem de tecnologia digitais. 

Algumas mudanças sistêmicas foram positivas, com ferramentas criadas através das redes sociais. Entretanto, as consequências não foram previstas. O problema está ligado em como essa tecnologia afeta a vida das pessoas, realidade de conhecimento majoritário da indústria tecnológica.

Inclusive, quando o medo de ficar desconectado gera pânico, indica um problema mais grave, conhecido como nomofobia. O nome vem da abreviação da expressão “no-mobile-phone phobia” (em português, medo de ficar sem celular).

É de conhecimento geral que parte da exposição de dados de uma pessoa é feita pelo próprio titular do dado pessoal. Entretanto, tal exposição, que se encontra intimamente ligada ao senso de liberdade individual, é utilizada por terceiros de má fé, para cometerem crimes digitais com as informações colhidas.

Anunciantes

Outra problemática que gira em torno disso diz respeito aos anunciantes, que funcionam como clientes que competem pela sua atenção, enquanto as pessoas são os produtos e a missão das empresas é prender o máximo possível a atenção da pessoa e talvez mudar comportamentos ou gostos pessoais. 

Para ter sucesso nesse mercado, é necessário fazer grandes previsões. Grandes previsões começam com conhecer as necessidades de seu público, e para isso você precisa de dados. O capitalismo entra no setor, obtendo lucros inimagináveis pelo rastreamento infinito do que cada indivíduo está fazendo, desde as emoções que ele está sentindo. 

Valor dos dados

Um novo tipo de mercado que nunca existiu entra em cena e negocia, na deep web, exclusivamente o futuro de humanos em escala, assim como há mercados que negociam petróleo. Os dados possuídos pelas empresas de internet e o seu valor foi o que as tornou as mais ricas da história da humanidade, e tem muita gente lucrando com a comercialização disso. 

É certo que a atual sociedade e suas relações jurídicas são afetadas pelo avanço tecnológico, principalmente quando os usuários se cadastram em aplicativos. Tudo que os indivíduos fazem on-line está sendo monitorado e registrado, e as empresas utilizam-se desses dados para criar um perfil de consumo e personalizar suas experiências. Cada imagem, inclusive o tempo de uso de cada rede social, todos os dados estão sendo alimentados no sistema. São chamados pontos de dados, cada informação que se tem a respeito de um indivíduo na rede. 

Do outro lado da tela, todas as ações ajudam a empresa a moldar um modelo cada vez mais preciso, prever emoções, com metas baseadas em engajamento, crescimento e objetivos de propaganda, com base nos algoritmos, utilizando-se de tecnologia persuasiva. 

Riscos de cada Rede

Facebook, Instagram, Twitter e TikTok são as redes sociais mais utilizadas atualmente. Entretanto, tendo em vista as multas que tais empresas estão sofrendo, é importante oferecer alguns dos riscos que cada rede é capaz de oferecer ao seu usuário. A ideia aqui não é esgotar o tema até porque do contrário cada rede mereceria seu próprio artigo. 

Facebook

O Facebook e Instagram são redes sociais geridas pela META, empresa que constantemente tem seu nome estampado em escândalos ocorridos a respeito da  privacidade e proteção de dados. Os maiores riscos que essas empresas podem oferecer dizem respeito à exposição de dados indevidos de usuários da plataforma. 

O Facebook talvez seja a rede mais invasiva de todas. Estudos mencionados no Dilema das Redes apontam que se um pré-adolescente começar a utilizar o Facebook, até ele completar 18 anos, quase 20 mil pontos de dados serão gerados a respeito dele.

E escândalos como o da Cambridge Analytica, relatado no documentário Privacidade Hackeada da Netflix, só contribuem para que entendamos o poder da rede para, eventualmente, nos fazer mudar sutilmente de opinião a respeito de coisas, importantes ou não. 

O principal issue do Facebook é a quantidade de informações que ele coleta, pois simples likes podem determinar se você prefere calça a vestido, sua orientação sexual, seu gosto por cores, viagens, flores, formas. Com isso e todas as informações, fotos, e etc que nós mesmos compartilhamos, o resultado é uma explosão de dados sobre cada um de nós.

Além disso, existem outros riscos do usuário utilizar a rede social, como o risco da criação de um perfil falso nas redes sociais, afinal criar uma conta é uma tarefa fácil. Por conta disso, solicitações de amizade vindas de perfis fakes e pessoas desconhecidas são práticas cada vez mais comuns. 

Instagram e Twitter

Ambos, em menor escala, trazem consigo vícios do Facebook: likes em fotos ou em propagandas pregressas levam a conteúdo cada vez mais direcionado ao usuário, como um menu criado especialmente para você gastar mais tempo (e dinheiro, talvez) cada vez que entrar na rede social. 

Os riscos de perfis falsos, spam e etc também são os mesmos. 

Tik Tok 

Mais baixado de 2020, o aplicativo tem acesso às suas preferências sociais, lista de contatos e demanda acesso a inúmeras informações de seus usuários, como modelo de telefone e, em alguns casos, até mesmo às mensagens diretas trocadas pela rede social.

Esse tipo de dados funcionam como alimento para machine-learning (em português, aprendizagem de máquina). É por isso que, quanto mais likes em conteúdos específicos quando você utiliza o TikTok, mais personalizados ficam os conteúdos que aparecem para você.

Isso sem contar os riscos para as crianças, já que a rede é muito usada pelos pequenos e tem termos pouco transparentes.

Riscos Causados pelos Usuários e Danos Potenciais

Os próprios usuários se colocam em risco ao utilizarem as redes sociais e disponibilizarem tanta informação. 

A verdade é que, além de expor uma grande quantidade de informações sobre a vida de alguém, que podem ser utilizadas para fins escusos, conforme mencionado acima, o uso das redes pode resultar em práticas de cibercriminosos, como golpes de roubo de identidades e tipos de fraudes. A questão é tão grave que fomentou o livro de Jaron Lanier, Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais. 

Mas para usar as redes de forma menos nociva, devemos evitar certos comportamentos, evitando ao máximo compartilhar dados pessoais como telefone, localização, fotos e números de documentos, endereços e dados bancários, e evitando sempre aceitar amizade ou mensagens de quem não se conhece. 

Outros comportamentos nocivos são a prática de autorizar a outros aplicativos o acesso ao seu Facebook, não checar as configurações de segurança das redes para utilizá-las a seu favor, e clicar em links estranhos ou advindos de desconhecidos. 

Os riscos são tremendos, e vão desde um simples spam até sequestro de crianças, com as informações contidas online – logo da escolinha, check-in em casa, foto na hora de sair de casa pra ir à escola, foto de criança pequena sem roupa, etc etc. 

E é por isso que as multas são tão grandes quando se trata de vazamentos ou potenciais vazamentos em redes sociais, a exemplo de como ocorreu no caso Cambridge Analytica. 

Conclusão 

É utópico falar em privacidade em um mundo altamente conectado, mas é essencial uma vez que os danos valem muito. Por isso é que devemos tomar certos cuidados se estamos dispostos a utilizar as redes sociais. Do contrário, o céu é o limite e nossos dados estarão na mão de propagandistas e criminosos de toda sorte. Até que ponto vale a pena ter medo de perder alguma coisa?

Referências

LANIER, Jason. Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais. Tradução de Bruno Casotti. 1a. ed. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2018. 

VÉLIZ, Carissa. Privacidade é poder: por que e como você deveria retomar o controle de seus dados. 1. ed. São Paulo : Editora Contracorrente, 2021.

ZUBOFF, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância. Tradução de George Schlesinger. 1a ed. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2021. 

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Helena Vasconcellos: Fundadora da LGPDTalks®. Privacy Enthusiast. Advogada e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Privacidade e Proteção de Dados desde 2003. Data Protection Officer (DPO) certificada pela EXIN, e em processo de certificação pelo IAPP. Colunista, Professora, Palestrante, Consultora e Voluntária em assuntos relacionados à privacidade e à proteção de dados.

Victória Hellen Oliveira: Data Privacy Specialist na LGPDTalks®, Privacy Enthusiast e advogada. Especialista em Privacidade e Proteção de Dados. Colunista, Professora, Palestrante, Consultora e Voluntária em assuntos relacionados à privacidade e à proteção de dados.

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