Amanda Bruneli*
Prática que vem sendo muito utilizada pelas escolas públicas nos últimos meses, por meio da autorização pelas respectivas secretarias municipais, o uso da Tecnologia de Reconhecimento Facial (TRF) é uma medida que tem gerado várias discussões entre os especialistas, tanto da área jurídica quanto da área tecnológica em si.
A tecnologia de Biometria Facial é um tipo de autenticação biométrica, cujo nível de segurança, assertividade e qualidade estão relacionados à qualidade da base de dados de imagens (fotos e impressões digitais) e da tecnologia que está sendo utilizada naquele momento para “capturar” o rosto do indivíduo. Ou seja, caso a foto tirada não tenha os padrões e qualidade necessários, a chance da utilização da ferramenta não atingir o objetivo principal é enorme.
Dentre as principais vantagens, os especialistas listam, principalmente, a celeridade que a medida confere para que se alcance determinado objetivo, bem como a segurança intrínseca ao uso dessa tecnologia – que são fatores determinantes ao optar pelo uso da TRF.
Necessário se faz lembrar que o uso dessa tecnologia já vem sendo utilizado em outros países. Além disso, em 2021, os 193 países que compõem a UNESCO, incluindo o Brasil, assinaram um acordo global sobre a Ética da Inteligência Artificial, o qual foi definido uma série de valores e princípios comuns necessários para garantir o desenvolvimento da IA.
Legislação sobre o uso de reconhecimento facial
Em que pese o Brasil ter assinado esse acordo, e apesar de alguns projetos de lei em andamento no Congresso, inclusive o PL 2.338/2023, o uso de reconhecimento facial ainda não possui legislação própria em nosso ordenamento jurídico, o que acaba por gerar uma enorme lacuna ao começarmos a lidar com as questões que tendem a surgir quando esses novos aparatos começam a ser utilizados.
Somado a isso, tem-se ainda a necessidade de criação de comitês de ética, nos mais variados segmentos, para discussão das pautas relativas à inteligência artificial em nosso país e a definição dos parâmetros que serão adotados, de fato, quando o assunto é algo relacionado à inteligência artificial – o que, novamente, ainda não existe.
Por isso, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) é a legislação que vem sendo utilizada para aplicação do uso da Tecnologia de Reconhecimento Facial. Nesse caso, é necessário que se atenda uma série de requisitos, princípios e premissas da legislação, como por exemplo, adotar o Privacy by Design com medidas de segurança, delimitar a base legal que melhor “se amolde” o caso concreto, além, é claro, de deixar todas estas obrigatoriedades solidificadas no registro das operações de tratamento dos dados, entre outras medidas.
Reconhecimento facial nas escolas
De acordo com o levantamento obtido no relatório da InternetLab, as secretarias municipais de alguns Estados do Brasil têm demonstrado que a implementação da tecnologia busca atender 3 necessidades:
- combate à evasão escolar, para evitar alterações indevidas no registro de presença, para comunicar o Conselho Tutelar e para gerenciamento de programas sociais, em caso de inassiduidade;
- otimização da gestão do ambiente escolar, em que o reconhecimento facial permitiria economizar tempo de aula, administrar as faltas escolares, e para gestão de merendas e material escolar;
- para fins de segurança, para evitar que estudantes saiam sem a autorização e para salvaguardar o patrimônio escolar.
No caso das escolas, a tecnologia vem sendo usada sob o argumento de aumento da segurança dos alunos e de combate à evasão escolar. Porém, o reconhecimento facial ainda não tem resultados comprovados, como criticam boa parte dos pesquisadores que já se posicionaram no sentido de que outras ações poderiam ser mais eficazes com menor custo para o aparato público se a questão gira em torno do controle de frequência e segurança dos alunos no âmbito escolar.
Vemos que estamos diante de um problema que cerca boa parte do ordenamento jurídico brasileiro, quando se trata do avanço tecnológico: a ausência de um estudo prévio com uma análise apurada sobre a utilização da tecnologia a ser aplicada.
Perceba que, na ausência de regulamentação, tem-se uma margem de imprecisões técnicas e de mau uso da tecnologia, como já foi verificado segundo as pesquisas da InternetLab no mapeamento das escolas brasileiras que se utilizam dessa ferramenta.
Fundamento no uso da tecnologia
Por ora, o que merece nosso enfoque e que deve fundamentar o uso de qualquer tecnologia ou mecanismo inovador – até que a tecnologia do reconhecimento facial e outras questões envolvendo a inteligência artificial sejam regulamentadas – é o melhor interesse da criança ou adolescente, já que essa deveria ser a real preocupação na aplicação de qualquer mudança ou inovação no âmbito educacional.
Observação
O PL 2.338/2023, citado neste artigo e que deve ser apreciado agora pelas comissões do Senado, foi elaborado pela comissão especial de juristas presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ricardo Villas Bôas Cueva e apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado.
Fontes utilizadas:
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Amanda Bruneli: Advogada OAB/PR | Direito Civil | Contencioso Civil | Consultora em Proteção de Dados | LGPD