Maria Beatriz Saboya*
Carolina Giovanini**
O ano de 2021 foi marcante para a proteção de dados no Brasil: a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) completou seu primeiro ano de vigência e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou sua agenda regulatória.
No Judiciário – embora seja cedo para entendimentos majoritários -, foi possível observar as primeiras decisões trazendo interpretações e aplicação de alguns dispositivos da Lei. No âmbito legislativo, foi aprovada a PEC 17/2019, escalando a proteção de dados pessoais ao patamar de direito fundamental constitucionalmente garantido.
E de 2022, o que esperar na relação entre novas tecnologias e proteção de dados?
A seguir, elencamos cinco tendências em tecnologia que impactam diretamente a esfera da privacidade e proteção de dados pessoais:
1. Metaverso
Embora ainda não haja definição uníssona para explicar o metaverso, espera-se que, nesse espaço, seja possível ir além da simulação e, de fato, viver e sentir experiências essencialmente virtuais.
Desde a vivência em ambientes de trabalho e estudo até a realização de atividades de lazer e compras, a criação de avatares para representação virtual de uma pessoa, o uso de weareables e a integração com ativos 100% digitais, certamente, se vislumbram alguns desafios regulatórios à luz da proteção de dados, sobretudo considerando o alto volume de dados pessoais coletados e a crescente complexidade das operações de tratamento inerentes a este novo formato de interação social.
2. NFTs
NFT (Non-Fungible Token) é a sigla para token não fungível, que possibilita a geração de um identificador para cada ativo digital, garantindo exclusividade a determinado item. Como os NFTs não são intercambiáveis entre si, eles funcionam como prova de autenticidade e propriedade no mundo digital, podendo transformar a forma como se interage no “online”.
Para 2022, espera-se que os NFTs impulsionem negócios (por exemplo, movimentando o comércio eletrônico e o mercado da arte) e gerem impactos jurídicos à luz da proteção de dados pessoais, já que repercutem e criam novos fluxos de tratamento.
3. Inteligência artificial
Em 2021, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 21/20, que estabelece fundamentos e princípios para desenvolvimento e aplicação da inteligência artificial no Brasil.
O texto, pautado em princípios para uma abordagem centrada no ser humano – incluindo não discriminação, segurança e prevenção -, também estabelece direitos dos usuários de sistemas de inteligência artificial, com destaque para a transparência acerca dos critérios e dos procedimentos utilizados no uso de IA. Ainda em novembro, os Estados membros da Unesco adotaram o primeiro acordo global sobre Ética e Inteligência Artificial, expondo ainda mais a relevância do tema a nível transnacional.
Em 2022, as organizações devem estar preparadas para debater o uso ético de inteligência artificial e compatibilizar o uso de novas tecnologias com questões de privacidade, especialmente no que diz respeito à qualidade dos dados, ao nível de explicabilidade do funcionamento destes sistemas e ao gerenciamento de riscos para os titulares envolvidos.
4. Alternativas para o uso de cookies de terceiros
Em geral, os cookies de terceiros são coletados para viabilizar estratégias de marketing e publicidade direcionada, auxiliando na criação de perfis de consumo e estratégias diversas de ativação de clientes.
Com a evolução de discussões (sobretudo na Europa) sobre a legitimidade de determinados fluxos de coleta de dados pessoais decorrentes da utilização de cookies, o mercado passou a buscar por alternativas, que tragam maior transparência aos titulares e ampliem o nível de conformidade com as normas de proteção de dados aplicáveis.
Nesse contexto, vale destacar:
i) a abordagem intitulada “Addressability”, que busca aumentar o nível de confiança a partir da priorização da privacidade;
ii) o Privacy Sandbox da Google, iniciativa em que surgiram recursos como o FLoC e o Topics. Espera-se, portanto, que a evolução deste tema irá balizar muitas das interpretações e movimentos regulatórios de autoridades de proteção de dados mundo afora.
5. 5G
Um dos assuntos do momento, o 5G é a tecnologia emergente que poderá reduzir o tempo entre envio e recebimento de comunicações, possibilitando a transmissão de maior quantidade de dados e funcionando como peça essencial para a transformação digital da economia e da sociedade.
No Brasil, o leilão das faixas de radiofrequências previu metas e prazos concretos de implementação, dispondo que todas as capitais devem ter cobertura 5G até 31 de julho de 2022.
Importante ficarmos de olho em como se darão as orientações e interpretações normativas sobre o assunto, já que o contexto de hiperconectividade e o aumento na coleta de dados pessoais, inclusive a partir de dispositivos de Internet das Coisas, coloca em evidência a importância de que se observem parâmetros de privacidade e proteção de dados nestes novos fluxos e operações de tratamento.
Para 2022, a mensagem que fica é a de que organizações, autoridades e agentes econômicos devem seguir conciliando seus esforços para a inovação e o desenvolvimento tecnológico com a promoção de uma cultura de proteção de dados, de modo a fortalecer a relação de confiança perante colaboradores, clientes e investidores, além de gerar diferencial competitivo e valor de mercado necessários para um processo de transformação digital ético e bem estruturado.
Leia outro artigo dessas autoras: A agenda ESG e sua intrínseca relação com o tema da proteção de dados
*Maria Beatriz Saboya é graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, advogada especializada em Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados no Prado Vidigal Advogados; CIPP/E, CPIM e CDPO/BR pela International Association of Privacy Professionals – IAPP; e fundadora da rede Mulheres na Privacidade.
**Carolina Giovanini é acadêmica de Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF; estagiária no Prado Vidigal Advogados; e CIPP/E pela International Association of Privacy Professionals – IAPP.