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A LGPD e seus reflexos na Eleição de 2022

Debora Ulrich*

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018) e a Resolução 23.671/2019 do Tribunal Superior Eleitoral promoveram alterações e darão sustentação ao processo eleitoral de 2022, que irá eleger os cargos de Presidente, Governadores, Senadores, Deputados Federais e Deputados Estaduais.

E quais são as mudanças que tais alterações legais proporcionam para nós, eleitores? Esta é a pergunta que muitos de nós fazemos com a vigência da lei geral de proteção de dados pessoais, já que as campanhas eleitorais sempre foram pautadas para atingir o maior número de pessoas e o seu poder de escolha e, nem sempre foram prudentes ao obter e realizar o tratamento dos dados pessoais de cada titular, assim como não eram claramente evidenciadas as ferramentas utilizadas e a veracidade dos fatos veiculados. 

Neste âmbito, o resultado final foi que, em algumas vezes, o cenário pré-eleitoral no Brasil e no mundo mudou o rumo da história, elegendo aquele que conseguiu elevar seu público e sua reputação no uso e investimentos em novas formas de comunicação com os eleitores – a internet, as redes sociais e os aplicativos de mensagens instantâneas. 

Em contrapartida, as mesmas formas de comunicação também foram utilizadas de forma indevida para realizar contato não autorizado, além de divulgar e denegrir a reputação de candidatos e candidatas com fatos distorcidos e inverídicos, que o direito de resposta nem sempre permitiu atingir e trazer o esclarecimento verdadeiro dos fatos ao mesmo público que viu a tal notícia falsa (“fake news”) circular e ser compartilhada nas mídias sociais.

Como está o cenário do processo eleitoral de 2022?

O cenário que estamos vivendo em 2022 demonstra que este ano haverá um tratamento diferenciado no processo eleitoral, pois estamos diante de novas regras que foram estabelecidas para garantir a privacidade e a proteção dos  dados pessoais.

Também foram definidos preceitos para: 

  • identificar o remetente de mensagens instantâneas;
  • permitir a solicitação de descadastramento e eliminação de dados pessoais, assim como do impulsionamento de conteúdo sem o pedido explícito de voto; 
  • no que se relaciona à propaganda, foi definido o que é permitido ou vedado realizar  nos diversos meios de comunicação.

Guia orientativo da LGPD para o processo eleitoral de 2022

Visando facilitar o entendimento e a abrangência que a LGPD e a Resolução 23.671/2019 trarão para as eleições de 2022, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) firmaram um acordo de cooperação técnica que culminou na divulgação do Guia Orientativo para aplicação da LGPD por Agente de Tratamento no Contexto Eleitoral que tem como principais objetivos: 

1) Promover a conscientização dos Agentes de Tratamento sobre a importância da privacidade e proteção de dados no período que ocorre a preparação para o pleito;

2) Informar sobre os direitos e alertar os eleitores, titulares de dados pessoais, sobre o uso irregular de suas informações; e 

3) Promover a segurança jurídica na relação existente entre os eleitores e os agentes que tratam dados pessoais no processo eleitoral.

Ao analisar o Guia citado, é possível verificar o estabelecimento de diretrizes que reúnem aspectos da legislação eleitoral e os pontos de contato com a proteção de dados, traduzindo de forma clara e explícita os principais conceitos, as regras e a aplicação prática no pleito que se aproxima, garantindo a lisura do processo eleitoral e a manutenção do processo democrático. 

Entre os pontos mais relevantes do guia, podemos destacar:

-Tratamento de dados em Campanhas

A utilização de dados pessoais pode ser observada sempre que um partido político, uma candidata, um candidato ou qualquer agente que os represente realize como atividades, tais como: coleta, classificação, armazenamento, transferência, eliminação de dados, entre outras opções que a legislação em vigor especifica. 

Neste contexto, poderão existir dados pessoais e/ou dados sensíveis sendo tratados, pois podem estar presentes informações como: nome, RG, CPF, endereço, opiniões políticas, filiações a organizações de caráter político ou religioso, perfil de consumo, cruzamentos de dados e inferências por ações ou preferências com potencial exposição que, no mínimo, quando se referir a dados sensíveis, deve por regime jurídico especial serem tratados com medidas mais rigorosas para mitigar os riscos que poderão causar grandes prejuízos aos titulares de dados.

Em se tratando da Resolução do TSE, há a exigência de que a finalidade da coleta seja respeitada, inclusive, quando estiver relacionada a dados manifestadamente públicos pelo titular, permitindo que ele possa se opor ao referido tratamento.

– Agentes de Tratamento

O guia indica que os partidos políticos, coligações, candidatos e candidatas poderão ser declarados como Agentes de Tratamento, assim como as organizações contratadas para a realização de campanhas envolvendo tratamento de dados pessoais.

No processo eleitoral de 2022, tais agentes poderão ser enquadrados como Controladores. O que, em outras palavras, significa dizer que é aquele que tem o “poder de decisão”, sendo responsável por fornecer instruções para a realização do tratamento em seu nome, de acordo com a finalidade que determinar. Já o Operador receberá as instruções do controlador para prestar serviços específicos, observando que o mesmo pode até realizar pequenas ações por decisão própria, desde que não sejam essenciais ao tratamento e à finalidade determinada.

Também foi observada no guia a possibilidade de existência da Controladoria Conjunta, que ocorre quando houver mais de um Controlador com poder de decisão sobre os elementos essenciais do tratamento. Como exemplo, foi citada a ocorrência de uso de mídias sociais para campanhas políticas, em que o(a) candidato(a) e a plataforma podem tomar decisões sobre a finalidade e a forma de tratamento, observando-se as limitações previstas na lei eleitoral. 

Vale ressaltar que a posição de um agente de tratamento pode ser ora controlador, ora operador ou controlador conjunto, dependendo dos entes envolvidos e do posicionamento do agente no momento do tratamento do caso a ser analisado.

– Hipóteses de Tratamento

O consentimento figura no guia como a hipótese mais aderente ao contexto eleitoral, devendo ser obtido por decisão livre, bem informada e inequívoca, bem como deve ser vinculado a uma finalidade específica. A obrigação legal ou regulatória é associada à obrigação de cumprir outras leis, pode ser utilizada pelo controlador e é exemplificada na aplicação da Lei dos Partidos Políticos, que determina que o partido deve inserir os dados de seus filiados no sistema eletrônico da Justiça Eleitoral, justificando desta forma o compartilhamento realizado.  

O legítimo interesse somente poderá ser utilizado pelo partido político, candidato ou candidata se atender às regras do artigo 10 da LGPD. Em relação aos dados sensíveis, esta hipótese legal não é aplicável em função do que determina o §1º do artigo 11 da Lei 13.709/2018. Também fica clara a exclusão do uso desta hipótese legal na utilização de dados pessoais para envio de propaganda eleitoral por telemarketing, tendo em vista que é vedada pelo artigo 34 da Resolução 23.610/2019 e pela ADI nº 5122 julgada pelo Supremo Tribunal Federal.

– Elaboração do RIPD

Assim como especifica a Lei 13709/2018, o guia não é taxativo quanto à elaboração do Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPD). Mas há destaque no que se refere à elaboração do mesmo na ocorrência de tratamento de grande volume de dados sensíveis relacionados a opinião e filiação política.

– Direito dos Titulares

Os partidos políticos, as coligações, o candidato e a candidata devem garantir o exercício dos direitos dos titulares previstos no artigo 18 da LGPD, disponibilizando canais para esta comunicação.

– Compartilhamento de dados

O guia menciona que as mensagens relacionadas às propagandas eleitorais podem ser trocadas entre partidos, campanhas e eleitores somente se houver o cadastramento de endereços dos eleitores de forma consentida e gratuita, com o estabelecimento claro da finalidade e hipótese legal. Em relação à cessão, doação e venda de bases de dados, tanto a legislação eleitoral quanto a LGPD não permitem a realização de tais práticas e estabelecem tais ocorrências como infrações passíveis de punição nas duas jurisdições.

Um dos assuntos mais polêmicos já vivenciados nas eleições de 2020 foi o envio de mensagens em massa, com propaganda eleitoral e, em virtude de tal prática, o inciso II do Artigo 34 da Resolução nº 23.671/2019 passou a tratar o tema e determinou:

“Art. 34. É vedada a realização de propaganda:

II – por meio de disparo em massa de mensagens instantâneas sem consentimento da pessoa destinatária ou a partir da contratação de expedientes, tecnologias ou serviços não fornecidos pelo provedor de aplicação e em desacordo com seus termos de uso. (Constituição Federal, art. 5º, X e XI; Código Eleitoral, art. 243, VI; Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).”

Sendo assim, é preciso que os agentes de tratamento estejam atentos às novas regras, porque as violações, os abusos e excessos cometidos poderão ser investigados judicialmente para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, conforme prevê o artigo 22 da Lei de Inelegibilidade – Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, levando-os a serem punidos pelo desconhecimento, pelo mau uso, má-fé e/ou ausência de transparência em atos ou omissões que sejam praticados em desacordo com a legislação em vigor no processo eleitoral.

Cumprimento da LGPD no processo eleitoral de 2022

Por tais detalhamentos, fica evidente que os agentes de tratamento precisam garantir o respeito e o cumprimento da LGPD e da legislação eleitoral em sua estrutura de trabalho e nas campanhas eleitorais. E uma das formas a ser adotada é estabelecer um Programa de Governança em Privacidade (PGP). 

O PGP permite estabelecer políticas, procedimentos, medidas técnicas, administrativas e de segurança, físicas e digitais, que assegurem o cumprimento da lei e de normas complementares, aplicando também as boas práticas relativas à privacidade e proteção de dados.

Não será tarefa fácil avaliar a complexa relação e repercussão jurídica em esferas diferentes que envolverão o processo eleitoral de 2022, pois o TSE e a ANPD precisarão analisar caso a caso as ocorrências e denúncias para que se exerça o poder discricionário, permitindo que os dois órgãos possam atuar baseados nas sanções previstas nas leis, possibilitando, por exemplo, a aplicação de multas, suspensão parcial ou total do tratamento e/ou até mesmo a cassação do mandato, a depender da gravidade dos fatos ocorridos.

Papel dos eleitores

Diante deste panorama, é primordial que nós, titulares de dados e eleitores, estejamos preparados para analisar a forma que os agentes de tratamento estarão interagindo no processo eleitoral, ou seja, se os partidos políticos, coligações, candidatos e candidatas fizeram o trabalho de adequação e sustentação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais para garantir o cumprimento dos preceitos legais e dos nossos direitos, bem como se estão cientes e preparados para utilizar os recursos de comunicação e mídias sociais sem violar a lei eleitoral. 

Ao Encarregado de Proteção de Dados Pessoais (DPO), pessoa chave no canal de comunicação entre os agentes de tratamento, ANPD e titulares de dados, é recomendável que realize um processo orientativo aprofundado sobre a LGPD, conscientizando que a nova cultura de privacidade e proteção de dados é um caminho sem volta. 

Ao DPO também cabe a responsabilidade de  atuar conjuntamente no Programa de Governança em Privacidade (PGP) e nas melhorias contínuas que é preciso promover para estar sempre em conformidade com as leis, regulamentos, normas  e  boas práticas. E não podemos esquecer que, neste novo cenário, terá a ANPD e o TSE monitorando e abertos a receber as denúncias de possíveis violações e irregularidades em seus respectivos canais.

A todos nós, cabe ser espectadores conscientes, respeitando a privacidade de todos, trabalhando por nossos ideais para um futuro melhor, protegendo os próprios dados e os alheios, não compartilhando notícias que não conhece a origem e a veracidade.


Debora Ulrich: Atua na Datamace, Advogada, DPO Exin, Membro ANPPD®, Mentora, Docente e Especialista em LGPD, RH e Direito do Trabalho.

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