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Retrospectiva 2022 e perspectiva 2023 – Privacidade e proteção de dados

Luccas Mota*

Começando pelo óbvio, em 2022, o tema Privacidade e Proteção de Dados evoluiu exponencialmente.

Para fins de retrospectiva, farei um sobrevoo abordando três eixos principais: 1º Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD); 2º aspectos legislativos e jurisprudenciais; 3º reação do mercado.

Autoridade Nacional de Proteção de Dados 

Em 2022, a ANPD promoveu uma intensa publicação de guias orientativos, resoluções, além de notas técnicas que manifestam a opinião da autoridade acerca de temas práticos relevantes e controvertidos.

No início de 2022, destaco a publicação da Resolução CD/ANPD Nº 02 da ANPD, o marco regulatório na aplicação da LGPD aos agentes de tratamento de pequeno porte. Essa medida revela-se fundamental diante do alto número de empresas/organizações de pequeno e médio porte que compõem o mercado brasileira.

Destaco a emissão de recomendações técnicas ao portal .Gov sobre a coleta de cookies. Trata-se de uma medida que demonstra a independência técnica da ANPD frente aos órgãos superiores da Administração Pública, ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de implementar a LGPD tanto na iniciativa privada quanto no setor público.

Ressalto uma conquista institucional da ANPD que reafirma a importância da privacidade e proteção de dados no Brasil. Trata-se da Lei 14.460/22, que transformou a ANPD de órgão da administração pública federal para autarquia de natureza especial.

Destaco ainda o lançamento do Guia Orientativo “Cookies e Proteção de Dados Pessoais”, uma importante guideline para orientar o mercado e o setor público das boas práticas relacionadas à captura e utilização de cookies, bem como conceitos básicos para compreensão do tema.

Temos ao final do ano a abertura da tomada de subsídios para a consolidação de um modelo de registro simplificado de operações de tratamento de dados pessoais (ROPA). Novamente ressalto que essa medida tem importância fundamental diante das inúmeras empresas/organizações de pequeno e médio porte existentes no mercado interno.

Aspectos legislativos e jurisprudenciais

No segundo eixo, legislação/jurisprudência, destaco a abertura de 2022 com a promulgação da Emenda Constitucional nº 115/2022, que inseriu no texto constitucional, dentre outras novidades, o direito fundamental à proteção de dados previsto no art. 5º, inciso LXXIX da CF/88. Embora já houvesse entendimento jurisprudencial do STF sobre a existência do direito fundamental à proteção de dados implícito, essa inserção demonstra o compromisso do Brasil com o tema proteção de dados, além de promover um amplo dever de conformidade da legislação infraconstitucional com o texto da CF/88.

No aspecto da jurisprudência, destaco a decisão do TSE no sentido de que os dados dos candidatos a cargo eletivo devem ser públicos. No leading case, ficou definido que a LGPD é norma geral, ao passo que a legislação eleitoral (Lei 9.504/1997) é norma específica, prevalecendo sobre a LGPD no tocante à publicização dos dados pessoais dos candidatos.

No âmbito do STF, temos um importante precedente. Trata-se das ADI 6649 e ADPF 695. Nesses julgados, ficou estabelecido que aplica-se a LGPD no compartilhamento de dados pessoais entre a administração pública, além de incidir responsabilidade civil do estado por tratamento de dados em desconformidade com a legislação e até responsabilização do agente público por improbidade administrativa.

Ainda quanto ao aspecto jurisprudencial, um estudo realizado pelo Instituto de Direito Público IDP, em parceria com o Jusbrasil, capitaneado pelo professor Danilo Doneda (in memoriam) e a professora Laura Schertel, atestou um aumento nas discussões envolvendo LGPD, além de uma sofisticação das controvérsias que estão chegando ao poder judiciário.

Segundo a pesquisa, em 2021 tivemos 584 decisões mencionando a LGPD. Já, em 2022, esse número saltou para 1789 documentos/decisões mencionando a LGPD.

Reação do mercado

Quanto ao terceiro eixo, o mercado, nota-se um número expressivo de empresas que ainda não se adequaram à LGPD. Embora os números não sejam precisos, há estudos que apontam que 80% das empresas ainda não estão em conformidade com a LGPD.

Em paralelo, há um aumento significativo de ataques cibernéticos no Brasil. Segundo matérias especializadas, o número de ataques aumentou em 37%, sendo que o setor de educação e pesquisa foi o mais afetado.

Perspectivas para 2023

Quanto às perspectivas para 2023, após a definição das regras que disciplinam a dosimetria da sanção, a ANPD iniciará a fiscalização e sanção. Notadamente, o foco da autarquia não é promover um discurso de medo. Todavia, a fiscalização e sanção está como tema prioritário na agenda regulatória 2023-2024.

Em 2023, indiscutivelmente haverá um aumento da litigiosidade. A pesquisa de jurimetria do IDP/Jusbrasil constatou esse cenário em 2022 e aumentará em 2023 devido à maior percepção sobre o direito à proteção de dados pessoais.

Com relação ao mercado, o tema proteção de dados está amadurecendo, razão pela qual alguns players que prometem soluções milagrosas certamente terão dificuldades de aceitação. 

Ademais, devido aos programas de conformidade executados de forma precária, muitas empresas/organizações terão que revisar o tema gerando inclusive retrabalho.

Com a maturidade do tema, o próprio mercado será mais exigente na adequação da LGPD. Será ainda maior o número de empresas que exigirão de seus parceiros de negócio o compliance com a LGPD. Esse movimento potencializará ainda mais a difusão da cultura de privacidade e proteção de dados.

Em síntese, 2023 será um ano de grandes avanços, muito aprendizado. Há ainda muitas lacunas legais a preencher. O trabalho exige e exigirá discussões multidisciplinares para solução dos desafios.


Luccas Mota: Advogado, Direito Público, Privacidade e Proteção de Dados.

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