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Como garantir práticas de Compliance em ofertas de Criptoativos representativos de Valores Mobiliários?

Paula Gallo da Franca*

A recente publicação da Lei 14.478/22, em 21 de dezembro de 2022, que dispõe sobre as diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais, ratificou algumas discussões para o mercado de Criptoativos que já estavam sendo tratadas ao longo do trâmite do projeto da lei, como a exclusão, em seu escopo, dos ativos representativos de valores mobiliários. 

Valores mobiliários são ativos regulados pela CVM, sujeitos ao regime da Lei nº 6.385/76 (art. 1º, § 2º), como por exemplo ações e debêntures. 

Apesar da exclusão desses ativos no escopo na Lei 14.478/22, de forma a acompanhar toda a pauta acerca desse novo tipo de tecnologia, a CVM editou, em outubro de 2022, o Parecer de Orientação CVM nº 40, denominado “Os CriptoAtivos e o Mercado de Valores Mobiliários”, que tem como objeto “o entendimento da CVM sobre as normas aplicáveis aos criptoativos que forem valores mobiliários.” 

O objetivo do Parecer é justamente orientar e indicar concretamente ao mercado quais são os limites regulatórios da CVM e o modelo pelo qual a Comissão pretende normatizar, fiscalizar e disciplinar a atuação dos integrantes do mercado de capitais. 

Sem adentrar nas minúcias do texto do Parecer, alguns Criptoativos podem apresentar características de ativos que são regulados pela CVM e, por essa razão, a sua emissão no país estará sujeita a requisitos regulatórios específicos, como por exemplo, a necessidade de registro prévio da oferta perante a CVM. Se um Criptoativo, por exemplo, for uma representação digital de uma ação, a sua circulação no Brasil consequentemente será regulamentada pela CVM.

Em outras palavras, a CVM trouxe para sua competência regulatória as operações de ofertas públicas de Criptoativos que sejam considerados valores mobiliários. 

Mas o que isso tem a ver com Compliance?

Inicialmente, contextualizando-se a relação entre Compliance e o escopo regulatório da CVM, é importante ponderar que, após a crise do sistema financeiro de 2008, ficou clara a necessidade de repensar a regulação do sistema financeiro, em paralelo com a criação de estruturas de mercado, sobretudo no mercado de capitais. 

Verificou-se, por exemplo, o surgimento de regras ao redor do mundo relacionadas ao controle de corrupção, financiamento ao terrorismo e lavagem de dinheiro, bem como o fortalecimento de atividades internas (backoffice), como atividades de controles internos, gerenciamento de riscos, monitoramento de clientes e Compliance. Dentre as atividades do Compliance, o gerenciamento de informações e o monitoramento do púbico alvo, passou a ser fortemente recomendado para atividades relacionadas ao financiamento privado de empresas.  

Nesse sentido, o Compliance ganhou espaço e passou a ser valorizado dentro das sociedades que atuam no mercado de capitais, seja orientado por práticas internas, como um verdadeiro compliance by design, fomentando a autorregulação, seja por práticas externas orientadas pelos órgãos reguladores, como é o caso do parecer da CVM tratado neste artigo. 

A orientação acerca dos Criptoativos, por si só, já tem um impacto muito grande para as diretrizes de conformidade que deverão ser seguidas dentro dessa indústria de novas tecnologias. Os departamentos de Compliance internos de empresas que pretendam transacionar Criptoativos deverão, portanto, incluir em seu escopo de trabalho o entendimento regulatório da atividade, identificando, inclusive, se e quando a regulamentação da CVM se aplica. 

Ao orientar o mercado, a CVM transfere a seguinte mensagem: “a Comissão reitera a necessidade de haver um regime claro de proteção do investidor com transparência informacional, para o mercado de CriptoAtivos”, de forma a demonstrar que qualquer oferta de Criptoativos representativos de valores mobiliários feita no Brasil deverá ter como norte de conformidade, justamente, a proteção do investidor.  

Assim, a orientação do Parecer da CVM traz maior segurança jurídica e confiança para os investidores. 

Ações de conformidade e mercado de Criptoativos

Ademais, o Compliance passa, então, a ser um importante orientador para os negócios envolvendo Criptoativos, pois práticas e ações de conformidade são necessárias para que o negócio se adeque a uma outra premissa e missão da CVM: o regime informacional

O regime informacional deve estar alinhado com o Compliance, pois práticas de aderência auxiliam tanto os investidores quanto os emissores. Os investidores, devido à obtenção e transparência de informações na tomada de decisão de investimento de forma a permitir o acompanhamento do andamento do negócio investido.

O Compliance auxilia os emissores, por sua vez, no gerenciamento do tratamento de riscos de conformidade e identificação e prevenção da ocorrência de falhas e adequação ao princípio do full and fair disclosure.

Ainda, em relação ao regime informacional, é tratado no Parecer da CVM, por exemplo, uma série de obrigações do emissor de Criptoativos representativos de valores mobiliários, relacionadas à prestação de informações aos investidores. Assim, é que deverão os emissores prestar informações mínimas, sejam elas periódicas ou não, mediante o uso de linguagem acessível ao público dos seguintes temas, dentre outros:

  • identificação do emissor do token; 
  • descrição de suas atividades; 
  • identificação de canais de suporte ao investidor; 
  • direitos dos titulares do tokens (representativos de valores moniliários) e tratamento de seus dados pessoais; 
  • identificação clara das vantagens da utilização da tecnologia e materiais de apoio ao investidor sobre funções e riscos ligados à tecnologia; 
  • informações técnicas e de cibersegurança, como resposta a incidentes cibernéticos, regras de governança do protocolo e caráter público ou privado da rede, de modo a mitigar assimetrias de informação decorrentes de hipossuficiência técnica, em especial na hipótese em que o ativo comporte complexidades e
  • quaisquer outras atividades que possam influenciar na expectativa de benefício econômico. 

Dentre as obrigações constantes do parecer, temos, ainda, a de prestar informações diretamente relacionadas ao Compliance, como por exemplo, a obrigatoriedade de que o emissor dos tokens informe sobre os controles de origem dos recursos utilizados para aquisição de tokens e o compromisso com a comunicação de operações suspeitas de lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e/ou financiamento da proliferação de armas de destruição em massa.

Gestão e monitoramento de riscos

Claramente, essa preocupação com o regime informacional deverá ser validada pelo conselho de administração ou diretoria das empresas que atuem nesse mercado, atitude a ser fomentada por um departamento de Compliance autônomo, que tenha como objetivo atender à premissa de “tone and conduct at the top”. 

Ademais, o regime informacional também é necessário para identificação, pelos emissores de irregularidades e red flags em operações, de forma a auxiliar essas empresas na gestão e monitoramento de riscos, podendo inclusive, avaliar a exposição de riscos do emissor, e as consequências regulatórias, caso as informações não sejam regularmente prestadas. 

Caso a informação seja confusa ou pouca orientativa para os investidores, a empresa poderá sofrer um impacto regulatório importante, como por exemplo, uma sanção ou ordem de suspensão pela autarquia. Por essa razão, é importante avaliar aspectos territoriais, culturais no idioma e na linguagem apresentadas. 

Se as empresas, que pretendem ofertar valores mobiliários de forma tokenizada (por meio de Criptoativos) seguirem toda a orientação do parecer da CVM, principalmente quanto ao regime informacional, é possível que criem e monitorem seus apetites a riscos, verificando-se quem são os pretensos consumidores e investidores daqueles Criptoativos, buscando-se fazer uma oferta de forma bem regulamentada e mitigando riscos de fraudes, corrupção, conflito de interesses ou lavagem de dinheiro. 

Nesta senda, o acesso a informações se torna primordial para a existência da operação, de forma a garantir transparência quanto a informações sobre os valores mobiliários negociados ou sobre as companhias que os tenham emitido, de forma que o investidor passe a entender mais a fundo qual é o negócio a qual está investindo ou participando. 

Assim, conclui-se haver uma preocupação no parecer da CVM em orientar o mercado com boas práticas de Compliance, a fim de, em última análise, atender à própria missão da CVM, qual seja, a de desenvolver, regular e fiscalizar o mercado de valores mobiliários, protegendo o interesse dos investidores e assegurando ampla divulgação das informações sobre os emissores e seus valores mobiliários.

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Paula Gallo da Franca: Advogada especialista e certificada em Compliance Financeiro. Atua nas áreas de direito societário, mercado de capitais e direito internacional com foco em fintechs e em tokenização de ativos e Compliance regulatório para projetos em Blockchain.

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