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Dados pessoais e eleições: como seus dados pessoais podem influenciar nas eleições 

Daniela Souza Gomes* 

Introdução – dados e pessoais e eleições: entenda a relação

À medida em que as campanhas políticas passaram a  empregar tecnologias digitais, pode ser  observado o crescimento vertiginoso da utilização dos dados pessoais com o intuito de traçar o perfil dos eleitores e entregar mensagens direcionadas. Por tal razão, certamente a confiança na integridade das eleições está sendo prejudicada, principalmente nos meios digitais. 

O prejuízo em questão perpassa pela ideia da “guerra de narrativas”, afinal, deve-se considerar que a divulgação de notícias sobre determinado candidato e destinada a um grupo específico de eleitores pode influenciar na intenção de voto. Portanto, é inegável que as campanhas políticas em todo o mundo se transformaram em operações de dados extremamente sofisticadas.

A utilização de técnicas para uso intensivo de dados permite que os partidos criem seus próprios bancos de dados com intuito de informar, testar e, sobretudo, influenciar na intenção de voto. Se engana quem pensa que isso ocorre sorrateiramente. Geralmente, a coleta,  retenção e tratamento dessas informações são realizadas com transparência, consentimento e até mesmo seguindo as normas jurídicas vigentes. 

O que muitos não sabem é que a utilização de  softwares sofisticados de análise de dados podem combinar inúmeras informações através de várias fontes (big data) e, assim, traçar o perfil aprofundado do eleitor (profiling), descobrindo  suas características, interesses, necessidades, a fim enviar informações com a narrativa personalizada para cada indivíduo, fator que pode, em massa, comprometer a liberdade de pensamento e escolha dos eleitores. A prática de profiling é um dos principais exemplos de análise de dados burocráticos com a qual os juristas do mundo todo devem lidar atualmente. Antes limitada a investigações policiais e a pesquisas, agora se tornou útil para traçar comportamento e influenciar 

Enquadramento legal e direito à privacidade

Atualmente, os eleitores se veem obrigados a entregar um excesso de informações pessoais em troca de serviços, resultando na situação na qual o indivíduo não possui mais nenhum controle sobre o que as entidades  e instituições sabem sobre ele e como suas informações pessoais estão sendo utilizadas. 

Com o intuito de evidenciar esse fato, o Conselho Europeu de Proteção de Dados mediante a Declaração 2/2019 dispõe que o papel dos dados pessoais nas campanhas políticas modernas dependem cada vez mais de técnicas sofisticadas de criação de perfil para monitorar e direcionar eleitores e líderes de opinião. Na prática, os indivíduos recebem informações altamente personalizadas, especialmente em plataformas de mídia social, com base em interesses pessoais, hábitos de vida e valores. Além disso, ferramentas preditivas são usadas para classificar ou traçar o perfil de traços de personalidade das pessoas, características, humor e outros pontos de alavancagem em grande medida, permitindo que sejam supostos os traços de personalidade profundos, incluindo opiniões políticas e outras categorias especiais de dados. 

Na Europa, a preocupação em tutelar os dados pessoais  reside no entendimento de  que  essas ferramentas afetam outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, liberdade de opinião e a possibilidade de pensar livremente sem manipulação. Quanto ao  Brasil, o cenário é igualmente preocupante. Os candidatos e partidos políticos possuem a possibilidade de contratação de empresas para o impulsionamento de conteúdo de marketing durante a campanha eleitoral, dispondo do big data disponível através de preferências nas redes sociais. 

O tema de impulsionamento possui regramento conforme o art. 57-C, da Lei n.º 9.504/1997, entretanto ainda não abrange com totalidade as nuances desse fator.

Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal é contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes. (Redação dada pela Lei n.º 13.488, de 2017) 

(…) § 3.º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações. 

Mídias sociais em campanhas eleitorais e políticas

Durante as campanhas eleitorais, a internet e as mídias sociais foram responsáveis pela organização política e disseminação de narrativas que polarizaram fortemente o país ao longo dos últimos anos. Contraditoriamente, as mesmas tecnologias de comunicação digital auxiliaram a eficácia de algumas das salvaguardas adotadas para garantir eleições livres e justas. 

Nesse cenário polarizado e extremamente veloz, foi dada especial atenção à disseminação de desinformação (fake news) e ao risco de manipulação das opiniões políticas dos indivíduos. Como se vê na Resolução 23.610/2019, essas preocupações foram intensificadas com a  proximidade dos períodos eleitorais, mas são relevantes independentemente do momento, dado que mesmo o contexto sendo online e aparentemente não político pode resultar na mobilização política.  

Lei Geral de Proteção de Dados e a propaganda política

No caso em foco, de acordo com o art. 38 da Lei Geral de Proteção de Dados, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) em conjunto com a Justiça Eleitoral pode exigir dos partidos políticos, candidatos ou seus representantes, o relatório de impacto à proteção de dados pessoais. Essa medida visa impedir que as eleições se submetam ao domínio do poder econômico dos partidos maiores e também das instituições  controladoras de big-data. 

A respeito do tema, o Tribunal Superior Eleitoral em Guia Orientativo dispõe que os dados pessoais também podem ser inferidos de outras informações para prever, avaliar e influenciar comportamentos e orientar processos decisórios automatizados. A título de exemplo, a formação de perfis pessoais e de consumo para fins de anúncios individualizados — como aqueles realizados em redes sociais — ocorre de modo automatizado e com base em uma série de informações coletadas das pessoas usuárias. Nesses casos, mesmo dados aparentemente irrelevantes ou sem um vínculo direto com uma pessoa, como curtidas em determinada postagem e vídeos assistidos, podem ser úteis à identificação de traços de sua personalidade. 

Como esse tipo de informação permite a identificação indireta de uma pessoa natural, com potencial impacto. Considerando a definição de dado pessoal, pode-se afirmar que as disposições da LGPD são aplicáveis ao contexto eleitoral e devem ser observadas sempre que um partido político, uma candidata, um candidato ou qualquer outro(a) agente de tratamento realiza uma operação com dados pessoais. É o que a lei denomina de “tratamento”, o qual inclui, entre  outras, as atividades de coleta, classificação, armazenamento, transferência, transmissão e eliminação de dados pessoais.

A  Lei 12. 965 prevê sanções criminais, cíveis e administrativas para quem viola o sigilo das redes de dados na internet, entretanto exime de responsabilização o provedor de internet que gere danos a terceiros, desta forma não responsabilizando quem propaga informações falsas. Vejamos: 

Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.

§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.

§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Conclusão

Em razão do exposto, resta incontroverso que o modo como as eleições e as campanhas políticas são conduzidas foram e continuam evoluindo, as redes sociais provocaram novas possibilidades para o engajamento dos eleitores. Entretanto, eles também levantam novas questões e desafios para todas as partes envolvidas na eleição. Em particular, precisamos de evolução também nas leis e procedimentos de auditoria para garantir que as eleições sejam livres, justas, transparentes e que os atores envolvidos sejam responsabilizados. 

Ademais, na maioria dos países, as campanhas eleitorais já se tornaram uma indústria de influência e narrativa digital. Portanto, além da comunicação política eficaz por parte dos governos, é fundamental para a manutenção da democracia que os eleitores possuam mais informações sobre como seus dados são utilizados. Sobre isso, organizações como o TSE e a ANPD devem desempenhar um papel fundamental para garantir que as tecnologias digitais sejam usadas para proteger e fazer valer os direitos dos eleitores. 

REFERÊNCIAS  

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LEI Nº 9.504, DE 30 DE SETEMBRO DE 1997 DISPONÍVEL EM : HTTPS://WWW.PLANALTO.GOV.BR/CCIVIL_03/LEIS/L9504.HTM .ACESSO EM: 10 NOV.2022

AUGUSTO SABEC VIANA, D.; SIMÃO FILHO, A. DEMOCRACIA, PROPAGANDA ELEITORAL E PROTEÇÃO DE DADOS. ANAIS DO CONGRESSO BRASILEIRO DE PROCESSO COLETIVO E CIDADANIA, [S. L], N. 8, P. 156–173, 2012. DISPONÍVEL EM: HTTPS://REVISTAS.UNAERP.BR/CBPCC/ARTICLE/VIEW/2190. ACESSO EM: 10 NOV. 2022.

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GUIA ORIENTATIVO APLICAÇÃO DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS (LGPD) POR AGENTES DE TRATAMENTO NO CONTEXTO ELEITORAL DISPONIVEL EM : HTTPS://WWW.TSE.JUS.BR/HOTSITES/CATALOGO-PUBLICACOES/PDF/GUIA-ORIENTATIVO-APLICACAO-DA-LGPD.PDF ACESSO EM : 13 NOV.2022

RESOLUÇÃO Nº 23.610, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2019. DISPONÍVEL EM : https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2019/resolucao-no-23-610-de-18-de-dezembro-de-2019 ACESSO EM : 13 NOV.2022

Leia outro artigo da autora:

Aspectos gerais da proteção de dados no Big Data e na inteligência artificial


Daniela Souza Gomes: Pós graduanda em Governança de TI e Direito Digital pela faculdade IBMEC e graduada em Direito pela mesma instituição, trabalha atualmente com Governança de TI e Marketing na Fancywhale, empresa canadense de gerenciamento de nuvem, kubernets e automação de operações em TI.   Atua, no Brasil, como de Analista de Compliance e Proteção de dados da Umbrella Privacy, empresa de consultoria de TI e adequação à LGPD. 

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