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Criptos: além de instrumentos financeiros, importante ferramenta a serviço da privacidade

Rodrigo Gugliara*

O início da história das criptomoedas nos remonta ao ano de 2008, quando uma pessoa (ou um grupo delas) sob o pseudônimo Satoshi Nakamoto publicou em um fórum sobre criptografia um White Paper (documento que detalha o racional por trás de uma cripto) sobre a primeira criptomoeda criada: o BTC.

Neste documento histórico que já faz 14 anos, um tópico específico foi destinado ao tema da privacidade. Nakamoto afirmou que, apesar das operações bancárias tradicionais contarem com a limitação de conhecimento da operação às partes e ao intermediário, as operações de bitcoin seriam públicas (pois registradas na blockchain, com acesso por qualquer interessado). Embora públicas as operações, a sua realização por meio do novo protocolo criptográfico garantiria a privacidade de outra maneira: eliminando o intermediário e mantendo a chave pública (endereço) anônima, isto é, sem qualquer vinculação direta com os dados pessoais do titular.

Desnecessidade da coleta de dados em operações diretas de criptomoedas

A mera transferência entre duas pessoas naturais de criptomoedas não exige, portanto, que nenhum dado pessoal seja divulgado à contraparte. Além de não contar com intermediários que terão necessário acesso aos dados da transação, o uso das criptos também reduz significativamente o fluxo de dados para efetivação da transação.

Isso ainda apresenta maior relevância no cenário atual em que diversas regulações imputam aos intermediários (normalmente instituições financeiras) a obrigação regulamentar de informar ao Poder Público a realização de determinadas operações que reúnam os requisitos estipulados, como por exemplo, ocorre com transferências bancárias de valores consideráveis que devem ser objeto de notificação pelo banco intermediador ao Fisco Federal.

O uso de criptomoedas elimina, portanto, diversos tratamentos de dados pessoais das partes envolvidas.

Os intermediários e a identificação

Não se pode negar, no entanto, que não é sempre que interessados em criptomoedas conseguem adquiri-las diretamente de outro usuário que as tenha. É nesse cenário que aparecem as corretoras ou exchanges. Ocorre que, como é de se imaginar, as corretoras se viram obrigadas a se submeter a regulação estatal e, para cumprir com todos os seus deveres, devem coletar diversos dados pessoais de seus clientes, o que guarda certa semelhança ao que já ocorre com instituições bancárias.

Assim, através de uma análise um pouco mais complexa do registro público de transações é possível identificar alguns dos titulares de endereços na blockchain. Não há dúvidas que tal análise se mostra consideravelmente mais dificultosa do que a simples identificação do titular de uma conta bancária ou conta de pagamento.

Mesmo com tal possibilidade, as criptomoedas ainda guardam um grau superior de privacidade aos seus usuários em relação ao sistema bancário clássico.

Um escudo necessário em um mundo cada vez mais invasivo

Pode parecer um pouco paranoico da minha parte, mas por mais esforços que sejam empregados, nós vivemos em um mundo em que a privacidade é um item de luxo. Por maior que seja o esforço legislativo no sentido de assegurar a proteção de dados pessoais, bem como o emprego de ferramentas digitais voltadas à privacidade, como navegadores, servidores de e-mail e etc., é fato que nossos dados estão sempre circulando, seja legal ou ilegalmente.

Ao utilizarmos browsers, aplicações e outras ferramentas de privacidade já temos um pequeno grau de proteção maior em relação às demais pessoas que não se preocupam com isso ou que simplesmente desconhecem os riscos envolvidos. Por outro lado, todos estamos sujeitos a realizar operações financeiras e em praticamente nenhuma delas, especialmente as digitais, temos a opção de aumentar o seu nível de privacidade.

Ao contrário, muitas vezes, apenas de falarmos sobre alguma operação em voz alta, sabemos que existem aplicativos que se valem do microfone dos nossos gadgets para obter ilicitamente informações (obrigado Apple por diminuir essa intrusão nos seus dispositivos novos).

É nesse contexto que as criptomoedas também colaboram para aumentar mais um pouco o nível da nossa privacidade. Afinal, por que uma (ou algumas) instituição bancária deve saber todas as operações financeiras que fazemos? Essas informações podem ser traduzidas em detalhes da nossa vida que nenhuma outra pessoa sabe, ou mesmo deveria saber.

Podemos dizer que as criptomoedas também exercem importante significado quando o assunto é privacidade. E você, já pensou em utilizar cripto para receber pelos seus serviços? Fica aí a reflexão!

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Rodrigo Gugliara: Especialista em Direito Digital e Compliance pela Faculdade Damásio de Jesus (2017), graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2013) e Técnico em Informática pelo Colégio Singular (2008). Atuo como Assistente Judiciário no Tribunal de Justiça de São Paulo e sou Professor no Lab de Inovação da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Coordenei uma obra coletiva sobre Proteção de Dados e Responsabilidade Civil e sou autor de artigos jurídicos em assuntos correlatos ao direito digital.

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