Isadora Octávia Ribeiro Godinho*
O bê-a-bá
Em última sessão legislativa do ano de 2022, os ativos digitais ganharam destaque de honra no nosso ordenamento jurídico com a aprovação da lei 14.478/22, o “marco dos criptoativos”, que foi votada pelo senado e sancionada pelo presidente da república. A lei entra em vigor após 180 dias da sua promulgação e até lá muito precisa ser esclarecido sobre essa novidade, que bem sabemos não é tão nova, e que vem ganhando cada vez mais adeptos (investidores), que muitas das vezes são induzidos por charlatões da internet e acabam amargando prejuízos gigantescos em suas contas bancárias.
Muitos foram os burburinhos que se dão em torno do assunto, e muito embora muitas pessoas tenham os criptoativos como uma nova fonte de investimento, ainda assim, pouco se sabe sobre ele.
Portanto, vamos começar pelo começo e esclarecer o que vem a ser os criptoativos? Para que eles servem? Qual a importância deles para a sociedade a ponto de termos uma lei que os regulamenta?
Pois bem, a lei n. 14.478/22 traz em seu art. 3º a seguinte definição acerca de criptoativos: “[…]representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósitos de investimentos.” Ficando fora desse combo as moedas nacionais ou estrangeiras, as eletrônicas.
Para início de conversa, é importante entender que criptoativos não são somente criptomoedas. Elas na verdade são somente um tipo de criptoativo, havendo outros como por exemplo, os NFTs, tokens e etc. Portanto, entende-se por criptoativo qualquer ativo virtual que é protegido por criptografia. O que nos leva ao próximo esclarecimento.
Mas o que é criptografia?
Os criptoativos por serem intangíveis são transacionados eletronicamente protegidos por meio de criptografia, que é um sistema em que consiste, a grosso modo, em codificar informações a fim de uma maior segurança nas transações. Uma vez que os criptoativos são independentes de bancos ou governos, uma forma de assegurar que os dados e informações fossem protegidos é justamente a criptografia.
A proteção de dados
Obviamente que quando falamos de um assunto tão pertinente e importante para a atualidade como é o caso dos criptoativos, é necessário que levemos em consideração também a proteção de dados, haja vista que esta é essencial em uma transação desta natureza, sendo assim, a lei 14.478/22 em seu artigo 4º, inciso III, fala justamente que um dos pilares a ser observado é justamente a segurança da informação e proteção de dados, restando bem claro que não se fala em transações com ativos digitais sem que haja uma efetiva proteção dos dados do usuário em todo o seu processo.
Bitcoin
Quando o assunto é criptomoeda ,é inevitável não nos remeter ao bitcoin, afinal, essa foi a primeira moeda dessa natureza. O bitcoin foi criado no ano de 2008 por Satoshi Nakamoto (que não se sabe ao certo se é uma pessoa ou um grupo de pessoas), cujo principal objetivo, quando da sua criação, era a existência de uma forma de pagamento que fosse ao mesmo tempo seguro e se mantivesse longe da supervisão governamental.
Da criação do bitcoin até os dias atuais, muitos outros ativos digitais (criptomoedas) dessa natureza foram criados e muitos valores foram movimentados por meio do comércio virtual, e as criptomoedas passaram a ser uma forma de investimento altamente lucrativa, haja vista que são moedas que não sofrem grandes oscilações dentro do mercado chegando a movimentar bilhões no mercado financeiro.
O golpe tá aí, cai…quem não tem conhecimento
E porque chamaram para si tanta atenção esse tipo de investimento, muitas empresas entraram no embalo, funcionando assim como um meio especializado de auxiliar investidores a entrar nesse tão abundante mercado, que está cada vez mais em voga. Uma dessas empresas é a norte americana FTX que decretou falência no ano passado, após o seu CEO e proprietário Sam Bankman-Fried ser acusado de desviar o capital empregado na compra de criptomoedas para outra empresa também de sua propriedade, e para fazer investimentos de alto risco, o que acabou por esvaziar as contas desta primeira levando milhares de seus clientes a enormes prejuízos.
O caso ganhou repercussão em todo mundo, haja vista que a FTX tinha clientes espalhados ao longo do globo, inclusive no Brasil. O que acabou levantando diversas discussões nos tribunais norte-americanos, afinal, ainda não há por parte das autoridades financeiras norte-americanas a devida regulamentação do mercado de criptomoedas. Obviamente que os tribunais estão deliberando acerca de como os prejuízos dos milhares de clientes serão sanados, pelo menos em parte.
O “marco dos criptoativos”
Já no Brasil, a lei 14.478/22 entrará em vigor ainda esse ano (180 dias após a data de publicação). O marco de criptoativos, como a lei é conhecida, representa um avanço no que diz respeito ao assunto e traz diversas medidas a fim de proteger os investidores tanto de situações como a que aconteceu na FTX, além de prevenir e combater a lavagem de dinheiro que envolve o investimento nessa moeda.
Muitas são as expectativas em torno da regulamentação das corretoras e o governo tem um enorme desafio pela frente tanto no que diz respeito à qual órgão da Administração Pública será designado para o funcionamento e a supervisão da prestadora de serviços de ativos virtuais, mas mais até do que isso, pela fiscalização desse serviço, regularização do mercado cripto e toda a gama de serviços que essa regularização requer.
É necessário ter em mente que esse é um mercado que lida com ativos de altos valores e que necessita de toda tutela que o Estado possa proporcionar e, por esse motivo, os artigos finais da lei 14.478/22 também irão abordar questões relacionadas aos crimes que envolvem os criptoativos. Sendo assim, verifica-se que o marco de criptoativos insere no código penal o art. 171 – A, em que trata especificamente de fraudes em que se utilizam ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros proporcionando assim ao consumidor/investidor uma maior garantia na proteção de seus direitos.
Conclusão
Os criptoativos são uma realidade. É bem verdade que trata-se de um investimento lucrativo, entretanto, é importante termos em mente que onde há muito dinheiro, há também muita gente querendo pegar o seu quinhão, alguns de maneira honesta, outros valendo-se de golpes. Daí a necessidade de haver uma legislação a respeito e de estarmos sempre atentos, buscando o conhecimento da lei e de outros canais de informação e levando consigo também uma máxima popular que é sempre bem-vinda: “quando a esmola é demais, o santo desconfia”.
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Isadora Octávia Ribeiro Godinho: Advogada – 25947 OAB/PA, Pós-Graduada em Direito Constitucional. Apaixonada pela proteção e privacidade de dados, uma inquietação antiga que veio à tona novamente com a promulgação da Lei Geral de Proteção Dados.