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A interação do direito do consumidor com os clientes não humanos

Fabíola Grimaldi*

A cada dia que passa parece que o direito vai enlouquecer ao tentar acompanhar a evolução da tecnologia e sua interação com a economia e a sociedade. Como advogada atuante da interação do direito com a inovação venho acompanhando uma nova tendência que precisa de atenção e observação. A interação dos dispositivos inteligentes e sua capacidade de se tornar compradores, ou seja, consumidores.

O mercado já registra um crescente aumento nas compras realizadas por inteligência artificial ou por dispositivos inteligentes em nome das pessoas. Esses novos consumidores são chamados “custobots” ou “máquinas consumidoras”. Um movimento mercadológico marcado por uma nova interação, em que os clientes/consumidores são as máquinas e não um ser humano. Por sinal, essas máquinas estão ficando cada vez mais inteligentes, né?

Já encontramos hoje no mercado, geladeiras que compram comida e abastecem a casa diretamente sem envolver as pessoas. Assim, como, impressoras que solicitam toner ao registrar o fim do estoque, dentre outros exemplos. De acordo com Uma Challa, diretor sênior de Análise do Gartner, até 2025, 37% dos clientes tentarão usar um assistente digital para interagir com o atendimento ao cliente em seu nome.

O artigo em tela procura trazer reflexões sobre essa nova relação de mercado que provoca uma mudança para as rotinas empresariais e no comportamento dos consumidores. Afinal, estamos falando de consumidores que são máquinas.

Conceito de consumidor e relações de consumo

Conforme o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor – CDC, consumidor é quem adquire o produto ou serviço como destinatário final, seja ele pessoa física ou uma empresa.

Assim, a relação acima descrita já necessitará de uma reflexão ou até mesmo amplitude do conceito trazido pelo CDC ou passaremos a entender que as inteligências artificiais e/ou dispositivos inteligentes são extensões dos consumidores humanos agindo em nome deles?

Consumidor humano x consumidor máquina

Os analistas Don Scheibenreif e Mark Raskino, no livro “When Machines Become Customers”, identificam que haverá pelo menos 15 bilhões de produtos conectados com potencial para se comportar como clientes até 2025.

O fato é que estamos diante de uma nova forma de administrar as relações consumeristas, assim como um novo formato de negócio e de e-commerce. As máquinas inteligentes estão cada dia mais integradas nas nossas vidas e nos nossos negócios.

O direito precisa urgentemente acompanhar essa nova abordagem para garantir segurança jurídica a esse novo cenário, na qual o consumidor é uma máquina.

Concorrência

Outro ponto importante nesta relação que necessita a reflexão fica por conta da garantia da tutela da livre concorrência e livre-iniciativa. Quais os critérios escolhidos e praticados para compra pela máquina consumidora? Garantimos a concorrência leal ou abuso de poder? Afinal de contas, a defesa da concorrência é um instrumento de proteção do consumidor que não poderá ser relativizado nesse contexto.

Nova visão

Ou seja, estamos diante de uma nova visão, tanto de estrutura como de estratégias de mercado, alinhando desde a logística até a forma de engajar os clientes. Afinal, os consumidores máquinas serão mais eficientes, analisando dados como custos, proximidade e prazo, dentre outros fatores capazes pela inteligência artificial, retirando um pouco da emoção e impulsividade dos seres humanos trabalhados com grande engajamento pelos setores de marketing. 

Sim, tanto o mercado quanto às relações jurídicas estão diante de algo extremamente desafiador. 

Proteção de dados e privacidade

Outro aspecto importante para adaptação do mercado aos consumidores máquinas são as informações e privacidade. Qual o real acesso e compartilhamento de dados pessoais envolvidos nesta comunicação máquina e compra? Esses dispositivos estão rastreando os comportamentos dos donos das máquinas? Evoca-se aqui uma necessidade da observância da Lei Geral de Proteção de Dados.

Falando ainda sobre segurança na rede da internet, uma adaptação dos websites e de segurança será extremamente necessário, uma vez que o CAPTCHA não vai mais poder ser utilizado, pois as máquinas consumidoras comprarão para os clientes. Aquele, clique aqui, não sou robô. Para esses negócios, eles estão fora da tendência e visão de futuro das máquinas consumidoras? Ou estamos no muro fino da segurança digital? Já se fala em funções de APIs, será?

Temos muito a refletir, encontrar soluções de segurança jurídica e tecnológica para encarar este novo mercado consumidor, afinal estamos na frente de uma evolução enorme e inevitável. Precisamos do crescimento e não da negativa perante as tecnologias e novas relações de consumo.

A interação humano-máquina já faz parte da evolução e do progresso da economia, não há passo para trás no que tange essa temática para sociedade. O ser humano precisa dessa nova tecnologia como parte da evolução humana para o mundo atual.

O mercado de consumo, principalmente o digital, encontrou várias formas de se adaptar à inovação como uso da web, celular, rede social, chatbots e agora as máquinas consumidoras. 

O intuito desse artigo visa trazer a necessidade da reflexão e do acompanhamento jurídico para mais uma tendência complexa para os negócios nunca imaginados.

Diante desses poucos exemplos trazidos no artigo, conclui-se que é extremamente importante que estudos jurídicos realizados por profissionais atuantes andem em conjunto com as inovações para fornecer segurança jurídica para o mercado, para os negócios e para a sociedade.

Referência:

https://emtemp.gcom.cloud/ngw/globalassets/en/publications/documents/when-machines-become-customers.pdf

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Fabíola Grimaldi: Advogada e gestora especializada em consultoria empresarial, digital e proteção de dados para empresas, negócios digitais, e-commerce e Startups. Fundadora do portal de cursos direitotech.com.br

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