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O Constitucionalismo Digital 

Fábio Valentini de Carvalho*

Dada a longa trajetória histórica do constitucionalismo brasileiro iniciada com a  Constituição Imperial de 1824, muitas foram as mudanças que sobrevieram e que refletiram em aspectos políticos e sociais, acentuada, ainda mais, com a chamada era digital. 

O objetivo deste artigo é explorar a evolução do constitucionalismo brasileiro na era digital, destacando suas principais características e reflexos na sociedade. 

O Constitucionalismo Brasileiro e suas Fases

Sinteticamente, é possível dividi-lo em três fases distintas. 

A primeira, marcada pelas Constituição de 1824 – Brasil Império – e Constituição de  1891 – Brasil República, se estendeu de 1824 a 1934, período no qual o Brasil passou por  profundas transformações políticas, como a Independência, a Proclamação da República e a  Abolição da Escravatura. 

A segunda fase, que se estendeu de 1934 a 1988, foi marcada pelas Constituições de  1934, 1937, 1946 e a de 1967, período marcado por profundas crises políticas, como a  Ditadura Militar de 1964 a 1985. 

Iniciada em 1988, a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Constituição  Cidadã e vigente até hoje marcou a terceira fase, considerada uma das mais avançadas do  mundo em termos de direitos e garantias individuais e coletivas. 

A Era Digital e suas Influências no Constitucionalismo Brasileiro

O Constitucionalismo Digital, expressão relativamente recente, se refere à árdua tarefa de aplicação dos princípios constitucionais na esfera digital, incluindo a proteção de direitos  fundamentais em ambientes virtuais, destacando os direitos da personalidade, à privacidade, à liberdade de expressão e à proteção de dados pessoais. 

Assim, por ser tema atual, relevante e preocupante, tem sido objeto de estudos e  discussões no âmbito do Direito Constitucional, dado o constante e veloz crescimento do uso dos meios digitais pela sociedade, especialmente diante dos desafios impostos pela pandemia de Covid-19. 

A necessidade de isolamento social levou a uma maior utilização de ferramentas  digitais para a realização de atividades cotidianas, como trabalho, estudo e comunicação, o  que gerou novas formas de interação entre as pessoas e o Estado. 

Diante desse novo cenário – com avanço da tecnologia e crescente utilização de dispositivos  eletrônicos – e por ser a Carta Magna de 1988 considerada uma referência em proteção de direitos fundamentais, torna-se necessário que esses princípios nela consagrados se apliquem aos meios digitais. 

Marco Civil da Internet

Nesse contexto, o Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014, é tido como divisor de  águas em termos de proteção dos direitos fundamentais no ambiente digital na medida em que consigna princípios garantidores da privacidade, liberdade de expressão e neutralidade da rede.  

Lei Geral de Proteção de Dados

Além disso, deve ser citada por merecer destaque, a Lei Geral de Proteção de Dados, Lei nº 13.709/2018, que regulamenta o uso de dados pessoais na internet, protegendo a privacidade e a segurança dos usuários. 

Indubitavelmente, torna-se tarefa desafiadora para os normativos conservarem-se atualizados face às mudanças tecnológicas.  

A par disso, emerge tensão entre a necessidade de proteger a privacidade dos  indivíduos e a necessidade de coletar dados para fins de segurança nacional ou outros  interesses públicos. 

Constitucionalismo Digital

Outro aspecto importante do Constitucionalismo Digital é a proteção da liberdade de  expressão e do acesso à informação na internet. Nesse sentido, é importante a neutralidade da rede para garantir o acesso igualitário a todos os conteúdos nela disponíveis.  

A censura na internet é uma ameaça à liberdade de expressão. No entanto, não é  permitido utilizar-se da liberdade de expressão para ferir outros princípios constitucionais. 

Sintetizando, não obstante o constitucionalismo digital seja um conceito relativamente  novo, é resposta à crescente importância da tecnologia na vida moderna e ao aumento do uso da internet e outras tecnologias de informação e comunicação, implicando em dever de respeito pelas plataformas digitais aos normativos do país onde exercem atividade.

O constitucionalismo digital busca garantir que os direitos fundamentais dos cidadãos  sejam protegidos em um mundo cada vez mais digitalizado como: 

Acesso à Informação 

Direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988, a chamada era  digital trouxe consigo o acesso fácil e rápido à informação. Através da internet, é possível acessar uma gravação de informações, notícias e conhecimentos, o que contribui para a  formação de uma sociedade mais atuante e crítica. 

Liberdade de Expressão 

Outro direito fundamental garantido pela Carta Magna atual. Na era digital, esse  direito tornou-se ainda mais importante, já que a internet é um meio de comunicação massivo e democrático. As redes sociais, a título de exemplo, permitem que qualquer pessoa possa se  expressar livremente, o que representa importante conquista para a democracia, sem olvidar, repita-se, não ser absoluta e ilimitada, por não poder ser utilizada como roupagem para ferir  outros princípios constitucionais. 

Proteção de Dados Pessoais 

Com a era digital, novos desafios são vividos relacionados à proteção de dados  pessoais. A Constituição Federal de 1988 garante o direito à privacidade. No entanto, a internet pode ser utilizada como veículo para expor esses dados de maneira indiscriminada.  

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) foi concebida com o objetivo de  proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade das pessoas, estabelecendo  diretrizes para a coleta, armazenamento, uso e compartilhamento de dados pessoais por empresas e organizações.  

Assim, a LGPD é importante instrumento garantidor da segurança e privacidade dos  dados pessoais dos cidadãos, o que implica adequação a esse normativos, inclusive para evitar responsabilização.

Responsabilização aos novos Crimes Digitais 

A era digital também trouxe consigo novas formas de cometimento de crimes, os  chamados crimes cibernéticos, de forma que mudanças se fazem necessárias, inclusive com a  previsão de penas mais severas para crimes como fraude, roubo, extorsão pedofilia, racismo, bullying, cometidos pelo ambiente da internet.  

Conclusão

O constitucionalismo brasileiro tem acompanhado as mudanças sociais, a ingestão e  as políticas pelas quais o país passou ao longo dos anos.  

Com a era digital, o constitucionalismo brasileiro vem passando por transformações – e não poderia ser de outra forma – que refletem os desafios e oportunidades trazidos pela  tecnologia.  

É importante que o Brasil continue discutindo esses temas, até porque novos desafios se apresentam diariamente, no intuito de garantir que a Constituição Cidadã de 1988 continue a ocupar a posição de destaque como uma das mais avançadas do mundo em termos de direitos e garantias individuais e coletivas e assegurando que sejam protegidos e efetivados.

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Fábio Valentini de Carvalho: Advogado especializado em Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados, Cyber Security, Governança Corporativa, ESG e Compliance – Fundador da Valentini Advocacia.

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