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Conflitos de privacidade: importância e benefícios da prevenção e gestão

conflitos de privacidade

Guilherme Sicuto*

A persecução de medidas que salvaguardem a privacidade tem recebido destaque no cenário regulatório, uma vez que são importantes às discussões sobre o avanço tecnológico e a preservação de direitos fundamentais dos cidadãos impactados por operações de tratamento de dados pessoais. 

Destaca-se que a instituição de normas que regulem a temática apresenta significativas consequências, como a ratificação de direitos individuais preexistentes (proteção à imagem, direito à intimidade e à honra), ou ainda a motivação para a positivação de novos direitos, como a inclusão da proteção de dados como garantia fundamental no artigo 5º, inciso LXXIX da Constituição Brasileira, em 2022.

Ademais, as legislações de proteção à privacidade acabam por estabelecer o fundamento legal de constituição de novas formas de relações jurídicas entre os agentes de tratamento e os titulares de dados pessoais. 

Tais vínculos podem representar a base constituinte de uma relação, com seus respectivos direitos e deveres, como por exemplo, em um contexto no qual inexista uma vinculação prévia entre empresa e pessoa que se pretende prospectar; ou ainda, significar uma nova nuance às relações já constituídas, como em relações de consumo, trabalhistas ou entre agentes de tratamento.

Vislumbra-se, portanto, a existência de um cenário no qual a atenção à privacidade se insere como um dos objetivos institucionais para a manutenção das relações jurídicas, bem como pode ser elencada como um fator gerador de conflitos.

O que é conflito?

Segundo a ótica da conflitologia, “conflito” é um fenômeno que concentra múltiplas significações, considerando a perspectiva de distintos ramos do conhecimento humano. De modo objetivo, define-se o conflito como “um processo social que resulta, entre outras variáveis, de divergências na comunicação ou de diferenças de interesses, que provocam condutas e decisões de mútuas”. Segundo esta diretriz, conflitos são consequências de interações sociais que apresentam a existência de interesses contrapostos quanto a valores ou necessidades. 

Conflitos de privacidade

É possível identificar, neste sentido, a concretização de demandas que exteriorizam os conflitos que decorrem dos interesses relacionados à privacidade. Destaca-se, na esfera privada de busca por resolução de conflitos, o estudo jurimétrico realizado que demonstra a quantidade de decisões judiciais, em primeiro e segundo graus de jurisdição, que enfrentaram em seus fundamentos a aplicação da Lei 13.709/18 (lei geral de proteção de dados brasileira) no período de 2021, conforme indicado no gráfico abaixo:

IMAGEM 01 – Decisões sobre matéria de privacidade

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Opice Blum, 2021.

Acompanhamento dos conflitos de privacidade

Tais decisões representam a prestação jurisdicional a um conflito de interesses posto à avaliação do Estado para a solução por meio da heterocomposição, forma de tutela na qual uma terceira parte atua, fazendo as vezes das partes, isto é, impõe a decisão àqueles que o buscam para alcançar uma solução, na qual não tomam parte os sujeitos envolvidos, mas uma decisão de terceiro alheio ao conflito. 

Igualmente, são disponibilizados pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados brasileira informações sobre a atuação da área de ouvidoria do órgão, que reflete a existência de 756 demandas enviadas para a Coordenação Geral de Fiscalização, cujo objeto são petições de titulares e denúncias contra controladores de dados.

No mesmo sentido, se evidencia a existência de conflitos no contexto europeu o acompanhamento de sanções administrativas aplicadas por distintas autoridades de proteção de dados, destacando-se a Agência Espanhola de Proteção de Dados como o órgão com maior volume de multas aplicadas (425), desde o início de suas atividades. 

Denota-se, portanto, que as legislações de privacidade acabam por fundamentar novos interesses sociais e, por conseguinte, são fatores instituintes de novas formas de conflitos: os conflitos de privacidade.

Deste modo, seria importante que, na implementação de medidas de cumprimento legal, um programa de conformidade se constitua não apenas da compreensão do contexto regulatório e das atividades de tratamento de dados, mas que também possa antecipar situações de conflitos entre o agente de tratamento com distintos stakeholders e dar-lhes a adequada tratativa, como forma de atender aos anseios legais e proteger seus próprios interesses.

Gestão de conflitos

Ademais, a busca pela gestão de conflitos é recompensada pela legislação brasileira de privacidade que, além de prestigiar a busca pela solução pacífica ao instituir o parâmetro de minimização da penalidade àqueles agentes que demonstrarem a adoção de mecanismos e procedimentos internos para a minimização e reparação do dano (art. 52, §1º, VIII), institui a figura jurídica da excludente de responsabilidade administrativa.

No contexto específico de incidentes de segurança, demonstrado à autoridade nacional de proteção de dados o alcance de um acordo, em sede de conciliação, entre operador e titulares afetados, fica impossibilitada a aplicação de sanções administrativas ao controlador (art. 52, §7º da LGPD).

Finalmente, também deve ser ressaltada a acepção de conflitos como oportunidade para os interesses institucionais. Com a integração de abordagens preventivas e de análise e gestão das divergências apresentadas em matéria de proteção de dados, é possível o real conhecimento sobre temas de maior risco, a compreensão dos interesses dos participantes das múltiplas relações jurídicas constituídas e, consequentemente, alcançar a propulsão de mudanças necessárias à manutenção e evolução de ditos relacionamentos.

Referências

¿PODEMOS TRANSFORMAR LAS SITUACIONES CONFLICTIVAS? UN APORTE DESDE EL PENSAMIENTO SISTÉMICO Y COMPLEJO Maglianesi, M. A.1; Coppa, C. R.2.

OPICE BLUM, Relatório Anual de Jurimetria 2021. São Paulo, 2021, p. 8. Disponível em: https://images.jota.info//srv/htdocs/wp-content/uploads/2022/01/relatacc83c2b3rio-anual-jurimetria-24-01-versacc83o-final.pdf. Acesso em 05/06/2022.

BARONA, S., Mediación en asuntos civiles y mercantiles en España tras la aprobación de la Ley 5/2012, de 06 de julio. Ed. Tirant lo Blanch, Valencia, 2013, p. 65.

Autoridade Nacional de Proteção de Dados, Relatório de Gestão Ouvidoria 2021, p. 7. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/canais_atendimento/ouvidoria/anpd-rel-ouvidoria-2021.pdf. Acesso em 07/06/2022.

Estatísticas de sanções: mais importantes sanções por país. Enforcement Tracker, 2022. Disponível em: https://www.enforcementtracker.com. Acesso em 03/06/2022.

SICUTO, G. LGPD e a conciliação como forma de evitar sanções administrativas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/lgpd-e-a-conciliacao-como-forma-de-evitar-sancoes-administrativas-pela-autoridade-nacional-de-protecao-de-dados. Acesso em 08/06/2022.


Guilherme Sicuto: Privacy and Data Protection I Data Intelligence nas Pernambucanas. Professor no Opice Blum Academy, na Universidad Rafael Urdaneta, no Instituto D’Vinci3 e na Universidad de Cádiz. 

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