Paula Gallo da Franca*
A Blockchain pode muitas vezes parecer um conceito estritamente ligado ao avanço tecnológico do mercado financeiro, à criação de novas moedas ou ativos financeiros e à digitalização econômica. Contudo, é muito importante repensar as aplicações de Blockchain para além dessas realidades.
A interface das relações dentro de uma estrutura de Blockchain conduziu a nossa sociedade a um ponto de disrupção tão exacerbado que agora repensamos os conceitos de consenso, segurança e descentralização.
A grande vantagem desse novo ecossistema reside na segurança e imutabilidade das transações que nele ocorrem, garantindo o equilíbrio entre privacidade informacional, através de criptografia e graus de rastreio relevantes.
Conceitos básicos do funcionamento da Blockchain
Antes de falarmos mais a fundo sobre as aplicações da Blockchain, é importante adentrarmos em alguns conceitos básicos.
A tecnologia das Blockchains permite que diversas transações sejam operadas em rede e registradas em blocos, registros tais que vão se concatenando até formar uma cadeia. Todas as transações ocorrem através do consenso de um algoritmo por uma série de participantes das redes que possuem cópia daquele ledger distribuído (nodes), de forma a validar aquela transação.
A cada novo bloco criado nessa cadeia, são geradas informações, denominadas hashs, que compõem uma sequência de números e letras, guardados e registrados no ledger. Essa informação depende de todo o bloco e dos blocos anteriores, que são sequenciados a partir dos consensos criados. A validação do bloco, por sua vez, ocorre através da assinatura de um conjunto de chaves. Ao ser aprovado, aquele registro é inserido e a Blockchain é atualizada.
Após a atualização da rede, passa a ser quase impossível modificar ou remover a informação cujo consenso pelos nodes já foi definido.
Dessa forma, a descentralização e o consenso podem ser entendidos como as grandes vantagens dessas redes e o verdadeiro modus operandi desse tipo de tecnologia, já que são os fatores que promovem a autenticação das informações ali transitadas.
Para além da visão técnica, como podemos utilizar uma Blockchain, na vida prática?
Com a inovação e o avanço tecnológico, o mercado passou a visualizar a Blockchain como um verdadeiro ativo de alto valor agregado, devido à ausência de um intermediário que participe diretamente dessa estrutura, garantindo inúmeros ganhos de eficiência.
Apesar de haver um maior destaque para a digitalização do dinheiro e da moeda, não devemos restringir a utilização da Blockchain, única e exclusivamente, às transações financeiras e meios de pagamento.
A tecnologia já tem sido explorada por diversos setores do conhecimento e modelos de negócio.
Principais aplicações de Blockchain
Podemos citar, por exemplo, o uso dessa tecnologia para o setor jurídico, seja na estruturação de Contratos Inteligentes, que podem programar determinadas ações condicionais e autoexecutáveis, seja para registrar garantias/colaterais e responsabilidades legalmente constituídas em determinada relação jurídica.
Ademais, a Blockchain pode ser utilizada para o armazenamento, autenticações e certificações de dados e informações pessoais, valendo-se para atividades notariais e de fé pública, por exemplo.
A Blockchain, também, pode ser usada para validar transações e aquisições realizadas em varejistas tradicionais ou em marketplaces digitais, por meio de captura e validação do consentimento de consumidores.
Ainda, é bem explorado o uso dessas tecnologias para o setor da saúde, no armazenamento de dados pessoais de saúde, gestão de históricos médicos e diagnósticos, registro de pesquisas médicas, dentre outros.
De igual forma, podemos falar no uso da Blockchain para fins educacionais, registrando dados e metas de educação, autenticando diplomas e títulos, trazendo segurança para essas informações.
Temos também o uso da Blockchain para agregar transparência dentro de enormes cadeias de produção globais, para validação de selos de sustentabilidade e qualidade das etapas nessas cadeias. Nesse sentido, fala-se de Blockchain até mesmo para facilitar contratações e licitações pela Administração Pública.
Além do uso propriamente monetário, a tecnologia também é altamente utilizada no mercado de capitais, através dos chamados securities tokens, que representam digitalmente algum ativo ou direito. Através deles, a Blockchain pode servir para registrar ações, títulos e valores mobiliários, proporcionar ofertas públicas e privadas, dentre outros, algo que já vem sendo objeto de análise pela Comissão de Valores Mobiliários- CVM.
Finalmente, podemos elencar uma aplicação interessante de ser explorada nesse mercado, qual seja, o uso da rede para questões afetas a Compliance e governança, através, por exemplo, do registro de dados para fins regulatórios (de forma que informações auditáveis fiquem sempre registradas), bem como para facilitar processos de segurança da informação ou para servir de registros para processos de Conheça seu Cliente (Know Your Customer -KYC) e Due Diligence. Essa aplicação possibilita atividades de Compliance e mitigação de riscos sistêmicos.
Expansão das aplicações de Blockchain
Com esses exemplos, percebe-se que a Blockchain é uma solução que provavelmente adentrará em todos os setores do nosso cotidiano. Assim, os indivíduos devem ficar cada vez mais familiarizados com esse tipo de tecnologia e suas linguagens, e devem se alertar para todas as mudanças que estão surgindo na sociedade.
Certamente, essas mudanças têm o condão de reduzir riscos de fraudes, trazendo maior privacidade, reduzir diversos custos transacionais e trazer maior autonomia e eficiência ao manuseio que damos às informações.
Leia outro artigo da autora: Compliance e Criptoativos: Análise e mitigação de riscos no Blockchain
Paula Gallo da Franca: Advogada especialista e certificada em compliance financeiro. Atua na área de riscos estratégicos e consultoria legal de fintech, com experiência consolidada em direito corporativo e internacional.
